Explicação necessária
Há certos versos - às vezes poemas inteiros-
que eu próprio não sei o que querem dizer. O que ignoro
retém-me ainda. E tu , tu tens razão de interrogar. Não
interrogues.
Há certos versos - às vezes poemas inteiros-
que eu próprio não sei o que querem dizer. O que ignoro
retém-me ainda. E tu , tu tens razão de interrogar. Não
interrogues.
Já te disse que não sei.
Duas luzes paralelas
vindo do mesmo centro. O ruído da água
que, no inverno, cai da goteira a transbordar,
ou o ruído de uma gota de água caindo
de uma rosa no jardim, regado há pouco,
devagar, devagarinho, uma tarde de primavera,
como soluço de um pássaro. Não sei
que quer dizer este ruído: contudo aceito-o.
As coisas que sei explico-tas.
Sem negligência.
Mas as outras também acrescentam a nossa vida.
Eu olhava
o seu joelho dobrado, como ela dormia,
levantando o lençol -
não era apenas amor. Este ângulo
era o cume da ternura, e o cheiro
do lençol, a lavado e a primavera , completavam
este inexplicável, que eu procurei,
em vão ainda, explicar-te.
Eugénio de Andrade, in Poesia em verso e prosa, Círculo de Leitores, Fevereiro de 1980, p.151
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