" Entre o talento e o génio existe um abismo - e, por vezes, inultrapassável.
« Quem não mente já é bastante original» - traduzi , hoje, à tarde.
Quem se espanta ainda que os homens - aparentemente mudem tão facilmente de ideias ( ou , como gostam de dizer, de «convicções» ) ? Cada « convicção» mascara um tipo de homem, e, seja qual for a convicção com que se mascara, ele permanece o mesmo , faz sempre a mesma coisa.
É absolutamente verdadeiro aquilo em que desemboca Wittgenstein: que , na crença religiosa, é sobretudo, e essencialmente, o ponto de partida que é verdadeiro, a saber, que a situação do homem é desesperada. Pergunto: podemos também crer na desesperança? Pois, para mim, essa fé já é bastante; e não estou desesperado.
(...)
Não compreender o mundo , unicamente porque é incompreensível : diletantismo. Não compreendemos o mundo, porque não é essa a nossa tarefa na terra.
O acto de muito reflectir torna-nos infelizes, ou místicos. Wittgenstein, no fim de contas, também era um místico, como Kafka. Só que ele trabalhava com outra matéria : a lógica. Precisou de destruir mundos , até que , sob as ruínas como pedra preciosa brilhante, subitamente cintilou a sua fé. Imagino-o nesse instante, com o seu tesouro na mão: olha, olha, e não lhe encontra nome . Mas sabe que aconteceu um milagre, e que ele está salvo."
Imre Kertész, in Um outro, crónica de uma metamorfose, ( Tradução de Ernesto Rodrigues), Editorial Presença, Junho de 2009, pp. 18, 20, 21
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