Eugénio Lisboa, na RTP , em 21 de Abril de 2021 |
AssombroChegamos, depressa, ao fim da viagem,atordoados, confusos e sós:pouco aprendemos, ficámos na margemde viver, de saber quem somos nós.Tudo foi frágil , incompleto, escuro,tudo nos fugiu, pouco iluminouesta passagem fugaz; resta puro,nosso espanto, que nada conspurcou.Eugénio Lisboa, Acta est Fabula , Memórias-V- Regresso a Portugal(1995-2015), Outubro de 2015, Opera Omnia
A passagem fugaz, o instante da vida de Eugénio Lisboa ficou registado. E sobre o instante, ocorrem , com enfâse redobrado, as palavras de Octávio Paz: Faço mal em chamá-lo fragmento, pois é um mundo completo em si mesmo, tempo único, arquetípico, que já não é passado nem futuro, mas presente.
O que nos narra Eugénio Lisboa é , em si mesmo , um mundo completo. O Assombro dominou–lhe a vida. Começa na criança, residente num bairro dos subúrbios de Lourenço Marques, a crescer ávida de curiosidade. Curiosidade que, desassombradamente, a transforma em omnívoro leitor compulsivo e num ímpar e exímio cultor de um espanto que resta puro até ao presente, dia em que completa 91 anos.
O instante é o tempo do prazer, mas também o da morte, o dos sentidos e o da revelação do mais além, continua Octávio Paz. De tudo isto nos fala Eugénio Lisboa na sua obra memorialística, "Acta est Fabula", e nos dois volumes de Diários, “Aperto Libro”, já publicados.
Independente, livre e isento, não subscreve jargões nem professa credos, lançando, com inteligente acutilância, um olhar crítico a tudo o que lhe chega , a tudo o que o rodeia , a tudo o que preenche a vida, ao mundo.
Assim , olha Agustina, Saramago , Vergílio Ferreira, Gastão Cruz, Eduardo Prado Coelho, Eduardo Lourenço e outros mais , sem temor por ser uma voz diferente, fugindo a unanimidade oca que se pratica no falso meio intelectual. Em sentido oposto, extrai, com mestria , a grandeza de um Camilo, de um Eça, de um Régio, de um Sena, de um Montherlant, de um Gide , de um Domingos Monteiro , de um David Mourão-Ferreira, de uma galeria de grandes que são engavetados por um modismo tonto e provinciano. E, em igual honestidade intelectual, não deixa de aplaudir novos talentos que surgem e se vão afirmando.
Com Eugénio Lisboa, nunca será possível esgotar-se, em nós, o prazer da descoberta , da aprendizagem, do encantamento. Reforça e valida, em magnificência, as palavras de Jorge Luís Borges: A verdade é que ninguém passa por nossa vida em vão. A diferença é que algumas pessoas são possibilidades de felicidade, outras de lições.
Eugénio Lisboa é tudo isso. Acumula todas as possibilidades. E, por ser verdade, acabamos com um outro poema, um soneto perfeito, retirado do seu último livro de poesia.
DA
NÃO EVIDÊNCIA DE TUDO
É tão estranha a vida. É tão estranha a morte.
É estranho que seja tudo tão estranho
e tudo cause, em mim, um tal desnorte,
que o assombro seja, em mim, tamanho,
que fico detido, explorando o espanto
de coisa nenhuma ser evidente!
Resta-me, então, digo eu, o canto
que amacia o que não é transparente!
Viver é assim não compreender,
que é a melhor forma de descobrir.
Se há virtudes no não entender,
se é bom forçar a porta, insistir,
contudo, a um mistério decifrado,
outro logo se apresenta fechado!
20.05.2020
Eugénio
Lisboa,
em congeminações de sempre, que a solidão da peste agudiza!
Eugénio
Lisboa, in
“ poemas em tempo de peste”, Setembro de 2020, Guerra&Paz, Editores S.A.
Parabéns Eugénio Lisboa no teu 91º Aniversário!... Obrigado por tudo o que nos ensinaste!...
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