terça-feira, 23 de março de 2021

Lisboa , 1981 - a pensão residencial


Lisboa , 1981 - a pensão residencial
por Jorge Amado
"Sabendo-nos de partida para Lisboa, um amigo roga-nos um favor: buscar para ele e a esposa acomodações numa residencial , a capital portuguesa é bem servida de pensões familiares. Nosso amigo obteve uma bolsa de estudos, vai fazer pesquisas para um livro , creio ter sido Luiz Henriques mas não tenho a certeza . Quem sabe Edivaldo Boaventura.
Pelas quatro horas da tarde subíamos a Avenida da Liberdade em direcção à Praça Marquês de Pombal, passámos em frente a uma escadaria , chama-nos a atenção os corrimãos forrados de veludo vermelho, deve ser a residencial mais confortável da cidade. Decidimos entrar , cumprir o compromisso, galgámos as escadas. Somos acolhidos por uma senhora amável, de meia-idade, queremos ver os quartos, saber os preços, estamos interessados. Olhou-nos um tanto surpresa mas nos atendeu com polidez: o quarto à direita no momento estava ocupado mas abriu a porta do apartamento à esquerda, acendeu a luz, meia luz, deu para ver o luxo do leito, as cortinas de cetim, os tapetes, o banheiro ao fundo, impossível pedir melhor. Restava-nos obter as informações : o preço completo, morada e refeição.
- Incluindo a comida para o casal quanto custa por mês?
- Poe mês? - admirou-se: - Cobramos por hora mas pode ser também por uma tarde ou por uma noite. Não servimos refeições ... - sorriso cúmplice para os dois velhinhos sem-vergonhas: - Mas podemos fornecer champanhe , vinho do porto , uísque.
Entendemos, Zélia belisca-me, com que intenção? Desistimos de outras perguntas, vãs. Não fosse o Tivoli tão confortável, bem poderíamos tomar quarto por algumas horas, encomendar champanhe: tentação fugidia de quem em tempos de outrora fora frequentador. No outro lado da Avenida conseguimos reserva na Residencial Sanco para o casal bahiano - teriam sido Laurita e Luisinho? Ou Solange e Edivaldo?"
Jorge Amado, in Navegação de Cabotagem, Publicações Europa-América, 1992,  pp.356,357

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