O ritmo o ritmo intacto desse corpo
A graça enxuta dos gestos desse corpo
E a luz que emana quando as nossas noites
Se encontram se entregam se confundem:
Beijos estrelas vendavais e praias.
Alberto de Lacerda, in " Palácio - Oferenda I", Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1984, p.129
"Amor é isto: a dialéctica entre a alegria do encontro e a
dor da separação. E neste espaço o amor só sobrevive graças a algo
que se chama fidelidade: a espera do regresso. De alguma forma a gota da chuva
aparecerá de novo, o vento permitirá que velejemos de novo, mar
afora. Morte e ressurreição. Na dialéctica do amor, a própria
dialéctica divina. Quem não pode suportar a dor da separação
não esta preparado para o amor. Porque amor é algo que não se tem nunca. É o
vento de graça. Aparece quando quer, e só nos resta ficar à espera.
E quando ele volta, a alegria volta com ele. E sentimos então que valeu a pena suportar a dor da ausência, pela alegria do reencontro."
Rubem Alves, in "Onde mora o Amor - Tempus Fugit", São Paulo, Edições Paulus, 1990.O que escrevo por vezes
é como se um sopro de sombra
no meu corpo abrisse
o espaço de um silêncio
um espaço intacto e puro.
António Ramos Rosa, in "A Intacta Ferida", Lisboa: Relógio d'Água, 1991
Se eu pudesse guardar os teus sentidos
Numa caixa de prata e de cristal,
Entre conchas do mar , búzios partidos ,
Pequenas coisas sem valor real..
Se eu pudesse viver anos perdidos
Contigo, numa ilhota de coral,
Para além dos espaços conhecidos,
Mais longe do que a aurora boreal...
Se eu soubesse que o olhar de toda a gente
te via, por milagre, repelente ,
Que fugiam de ti como da peste...
Nem assim abrandava o meu ciúme,
Que é afinal o natural perfume
Da flor do grande amor que tu me deste.
Reinaldo Ferreira , em "Poemas", Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques, 1960, p. 169
Ninguém Meu Amor
Ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em fuga que dobramos
fechando-nos os olhos.
Sebastião Alba , in " O ritmo do presságio", Edições 70,1981, p.61
Todo o dia senti, bem fundo, em mim,
a tortura do beijo que não demos:
lago sereno , preso num jardim,
saudoso dum nenhum sulcar de remos...
David Mourão-Ferreira , in "A secreta viagem - Obra Poética (1948- 1995)", Assírio &Alvim Editores, Novembro 2019, p. 34
Leonard Cohen, em Dance me to the end of love
Dança-me até ao fim do amor
Dança-me até à tua beleza
com um violino em chamas
Dança-me através do pânico
até eu estar bem a salvo
Levanta-me como um ramo de oliveira
e sê a minha pomba de regresso
Dança-me até ao fim do amor
Deixa-me ver a tua beleza
quando as testemunhas se forem
Deixa-me sentir os teus movimentos
como fazem na Babilónia
Mostra-me devagar aquilo
de que só conheço os contornos
Dança-me até ao fim do amor
Dança-me até ao casamento
dança-me sempre e sempre
Dança-me com muita ternura
e dança-me por muito tempo
estamos os dois abaixo do nosso amor
e estamos os dois acima
Dança-me até ao fim do amor
Dança-me até as crianças
que suplicam para nascer
Dança-me através das cortinas ´
que os nossos beijos gastaram
Ergue depois uma tenda de abrigo
embora cada fio esteja rasgado
Dança-me até ao fim do amor.
Dança-me até à tua beleza
com um violino em chamas
Dança-me através do pânico
até eu estar bem a salvo
Toca-me com a tua mão despida
toca-me com a tua luva
Dança-me até ao fim do amor
Leonard Cohen, in " Várias posições - Poemas e Canções II", Relógio D'Água Editores, Novembro de 2019, pp.232, 233
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