quarta-feira, 10 de março de 2021

Amor é isto:

O ritmo o ritmo intacto desse corpo
A graça enxuta dos gestos desse corpo
E a luz que emana quando as  nossas noites 
Se encontram se entregam se confundem: 
Beijos estrelas vendavais e praias.
Alberto de Lacerda, in " Palácio - Oferenda I",  Imprensa Nacional -  Casa da Moeda, 1984, p.129
"Amor é isto: a dialéctica entre a alegria do encontro e a dor da separação.  E neste espaço o amor só sobrevive graças a algo que se chama fidelidade: a espera do regresso. De alguma forma a gota da chuva aparecerá de novo, o vento permitirá que velejemos de novo, mar afora.  Morte e ressurreição. Na dialéctica do amor, a própria dialéctica divina.  Quem não pode suportar a dor da separação não esta preparado para o amor. Porque amor é algo que não se tem nunca. É o vento de graça.  Aparece quando quer, e só nos resta ficar à espera. E quando ele volta, a alegria volta com ele. E sentimos então que valeu a pena  suportar a dor da ausência, pela alegria do reencontro."
Rubem Alves, in "Onde mora o Amor - Tempus Fugit",  São Paulo,  Edições Paulus, 1990.

O que escrevo por vezes
é como se um sopro de sombra
no meu corpo abrisse
o espaço de um silêncio
um espaço intacto e puro. 

António Ramos Rosa, in "A Intacta Ferida", Lisboa: Relógio d'Água, 1991

Se eu pudesse guardar os teus sentidos 
Numa caixa de prata e de cristal,
Entre conchas do mar , búzios partidos ,
Pequenas coisas sem valor real..

Se eu pudesse viver anos perdidos
Contigo, numa ilhota de coral,
Para além  dos espaços conhecidos,
Mais longe do que a aurora boreal...

Se eu soubesse que o olhar de toda a gente
te via, por milagre, repelente ,
Que fugiam de ti como da peste...

Nem assim abrandava o meu ciúme,
Que é afinal o natural perfume
Da flor do grande amor que tu me deste.
Reinaldo Ferreira , em "Poemas", Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques, 1960,  p. 169
Ninguém Meu Amor

Ninguém meu amor 
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos 
apagar com ele 
os barcos de papel dos nossos lagos 
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol 
Até que o sol degole 
o horizonte em fuga que dobramos
fechando-nos os olhos.
Sebastião Alba , in " O ritmo do presságio", Edições 70,1981, p.61
Cantiga

Todo o dia  senti, bem fundo, em mim,
a tortura do beijo que não demos:
lago sereno , preso num jardim, 
saudoso dum nenhum sulcar de remos...
David Mourão-Ferreira , in "A secreta viagem - Obra Poética (1948- 1995)",   Assírio &Alvim Editores, Novembro 2019, p. 34
Leonard Cohen, em Dance  me to the end of love

Dança-me até ao fim do amor 

Dança-me até à tua  beleza 
com um violino em chamas
Dança-me através do pânico
até eu estar bem a salvo
Levanta-me como um ramo de oliveira
e sê a minha pomba de regresso
Dança-me até ao fim do amor

Deixa-me ver a tua beleza 
quando as testemunhas  se forem 
Deixa-me sentir os teus movimentos 
como fazem na Babilónia
Mostra-me devagar aquilo
de que só conheço os contornos
Dança-me até ao fim do amor

Dança-me até ao casamento
dança-me sempre e sempre 
Dança-me com muita ternura 
e dança-me por muito tempo
estamos os dois abaixo do nosso amor
e estamos os dois acima
Dança-me até ao fim do amor

Dança-me até as crianças 
que suplicam para nascer
Dança-me através das cortinas ´
que os nossos beijos gastaram
Ergue depois uma tenda de abrigo
embora cada fio esteja rasgado
Dança-me até ao fim do amor.

Dança-me até à tua beleza 
com um violino em chamas
Dança-me através do pânico
até eu estar bem a salvo
Toca-me com a tua mão despida 
toca-me com a tua luva
Dança-me  até ao fim do amor
Leonard Cohen, in " Várias posições -   Poemas e Canções II", Relógio D'Água Editores, Novembro de 2019, pp.232, 233

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