quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Para ficar o universo equilibrado

A tua ausência

A tua ausência resume
Como um grito a minha vida.
Sou tu, ao longe —
Até quando?

Sou ausência, a tua ausência.
Fiquei deserto de mim.

Sou dois olhos marejados
Cravados no horizonte.
                          3.10.62
Alberto de Lacerda, in Exílio, Colecção Poetas de Hoje, Editora Portugália, 1 edição
Para ficar o universo
Equilibrado de novo
Para que a terra não fosse
Aos poucos arrefecendo
Teu rosto junto a meu rosto
Tudo o mais a esse ritmo
Simplesmente obedecendo
                         28-2-1965
Alberto de Lacerda, in Oferenda II, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, Lisboa 1994 i
A um Deus desconhecido
Estou à espera do sol
Que há-de passar de novo
Nesta varanda

As raparigas de bronze lânguido
Da minha infância
Continuam a passar nesta varanda
Mesmo quando as não vejo

O sol
O sol há-de surgir
Os dez raios de oiro
Das tuas mãos desconhecidas

Como te chamas? 
                            23-2-1965
Alberto de Lacerda, in Oferenda II, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, Lisboa 1994 

No sol que a pouco e pouco declinando
Irá meus sonhos transportar à noite
Revejo em fuga aquele esplendor de quando
O trigo se alternava com a foice.

Era a imagem de uma tarde infinda,
Redoma aberta de uma luz doirada.
Certos amigos não tinham ainda
Desaparecido ao voltar da estrada.

Ficou esse horizonte na lembrança,
Linha a perder de vista no olhar.
E é este o sol, o mesmo, na mudança,
E é este o trigo, a foice, e à noite, o luar.

O amor, a própria morte nos aumenta
Sua luz obscura — que nos alimenta.
                 Yêvre-le-chatel, 25 de Junho 90
Alberto de Lacerda
, in Átrio, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, Lisboa 

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