sábado, 12 de setembro de 2020

A tarefa de Tolstoi

 18 de Janeiro de 1906. Iásnaia Poliana.
"Ainda não me sinto bem. Trabalho um pouco no " Círculo de Leitura".
Hoje pensei : o que devo eu fazer , um homem velho? Tenho poucas forças , que me vão faltando de maneira notável. Várias vezes na minha vida achei que estava perto da morte. E , coisa tola, esquecia , procurava esquecer isso - esquecer o quê? Que morrerei, e que em qualquer caso, 5,10,20, 30 anos , a morte  está sempre muito próxima. Agora, pela minha idade, considero-me naturalmente perto da morte e não há por que esquecer isso, e não é possível esquecer. O que hei-de fazer, eu, um velho sem forças? - perguntei-me. E achei que não tenho que fazer nada. Mas hoje compreendi muito claramente a clara e alegre resposta. O que fazer? Já está provado que morrerei. Essa é agora , e sempre foi , a minha tarefa.  E é preciso cumprir essa tarefa  o melhor possível: morrer, e morrer bem. A  tarefa  está à tua frente, nobre e inevitável,  e tu à procura  de uma tarefa. Isto foi para mim uma grande alegria. Começo a habituar-me a olhar a morte, a agonia, não como o fim da  tarefa, mas como a própria tarefa. (...)"
 
3 de Abril de 1910. Iásnaia Poliana.

 (...) " Esta  manhã tencionava escrever  sobre o meu funeral e aquilo que nele deve ser lido. Lamento não ter escrito. Sinto cada vez mais a aproximação da morte. Sem dúvida, a minha vida , e provavelmente a vida de todas as pessoas, torna-se mais espiritual com o passar dos anos. O mesmo acontece com a vida de toda a humanidade. Nisso reside a essência  e o sentido da vida de todos e de cada um,  e por isso o sentido da minha vida está apenas nessa espiritualização.  Ao ter consciência  disso, e agindo  em conformidade, sabemos que cumprimos a tarefa que nos foi destinada: espiritualizarmo-nos  e contribuirmos com a nossa vida ao menos um pouco para a espiritualização geral-para o aperfeiçoamento."
Lev Tolstoi, in  Os últimos escritos, (Diários-selecção), Relógio D' Água Editores, Setembro de 2018,  p. 286, 295

Nota sobre o autor  
" Lev Tolstoi nasceu a 28 de Agosto de 1828, em Iásnaia Poliana (Tula) e morre  a 20 de Novembro de 1910, na estação  ferroviária de Aastapovo. Está  sepultado em Iásnaia Poliana. É celebrado como um dos maiores escritores de sempre. Tem uma obra mundialmente (re)conhecida  de que fazem parte os célebres romances "Guerra e Paz" e "Ana Karenina"  ou "A Morte de Iván Ilitch”, obra considerada pelos críticos como a mais perfeita novela já escrita. 
Ao longo da sua  vida passou por diversas fases que marcaram o seu percurso pessoal. Com nove anos, Tolstoi ficou órfão de pai e mãe, sendo criado por duas tias, como mandava os costumes da Rússia de 1800. Foi educado por diversos preceptores.
Em 1841, morre uma das tias e Tolstoi resolve mudar-se para Kazan. Em 1844, ingressou na Universidade, onde estudou Ciências Jurídicas e Línguas Orientais.
Com 16 anos já era um jovem culto e solicitado, destacando-se nos meios intelectuais do ambiente que frequentava.
Como a vida no campo sempre o atraiu, resolveu abandonar os estudos e decidiu administrar a sua propriedade. Era chamado de “Conde de Tolstoi”.
Levou uma juventude dividida em contradições, ora  se ocupava dos servos, ora  se entusiasmava com o luxo e as frivolidades.
Até 1851, Tolstoi viveu ora em sua propriedade, ora em Tula ou em São Petersburgo, caçando, jogando cartas, bebendo, levando a vida na sociedade, porém ansioso de ver a sua vida tomar um rumo.
A partir de 1857, Tolstoi realiza diversas viagens pelo Ocidente. Esteve na Alemanha, França e Suíça. Durante as  suas viagens procurou estudar os métodos de ensino e resolveu criar uma escola rural. Dedica-se totalmente à educação de seus empregados chegando a escrever livros de leitura para o uso deles.Em 1860,  retorna para a sua propriedade e demonstra  interesse pelos camponeses.
Aos 34 anos, Tolstoi casou com Sofia Behrs. Juntos, tiveram 13 filhos e uma relação bastante complicada.
Nos últimos tempos, o autor de Guerra e Paz vive em hesitação consigo mesmo, veste como um camponês, anda descalço e divide os imóveis da família entre a mulher e os filhos. No dia 28 de Outubro de 1910 abandona a sua casa em companhia de sua filha mais nova. 
Antes de morrer, na estação de Astapovo, Tolstoi murmura aos médicos que o assistiam:
"Sabeis como morrem os camponeses? Há uma multidão deles sem assistência porque não se chamam Lev Tolstoi. Por que os senhores não me deixam em paz e não vão cuidar deles?"
Lev Tolstoi morre,  aos 82 anos,  de pneumonia na estação ferroviária de Astapovo  na província de Riaz, Rússia, em  Novembro de 1910."

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