“Ali em cima, envolto pelo silêncio, sonhava com todos os que, havendo podido ser, não fui para poder ser o que hoje sou. (.…)Aquelas paisagens que foram o primeiro leite de nossa alma, aquelas montanhas, vales ou planícies em que se amamentou nosso espírito quando este ainda não falava, tudo isso nos acompanha até a morte e forma como o cerne, o tutano dos ossos da própria alma. Porque a alma possui seu esqueleto, excepto naqueles desgraçados que a têm mucilaginosa, invertebrada, como o polvo ou a esponja marinha. Mas para quem tem alma vertebrada, com ossos que a mantém em pé e mirando o horizonte, esses ossos se nutrem de um tutano que foi feito com as nobres e serenas visões da infância distante.
(…) Ali, no topo, ali a vida sim a vida parece um sonho e um sopro. (...) Ali em cima, no cume da Peña de Francia (montanha que se localiza a 1723 m, ao sul da província de Salamanca), sentia cair as horas, fio a fio, gota a gota, na eternidade, como a chuva sobre o mar. Melhor do que gota, eu diria floco a floco, pois caíam silenciosas, como cai a neve, e brancas. É sobretudo do silêncio o que ali se goza.
(...)Olho na direcção da cidade, que está ali, por sobre aquele pequeno pico escuro. À minha direita, a nascente, o maciço da serra de Béjar, o Calvitero, com a forma de um gigantesco monte de feno. Brilham algumas casas em Béjar. Cumprimento a montanha irmã, mais alta do que esta na qual me encontro, e onde uma vez, antes de raiar o dia, deitado sobre a terra e sem mais tecto que não o céu, vi-me envolto numa nuvem de tormenta. E foi então quando compreendi o Deus do Sinai.
(...) Partimos ao amanhecer de Las Erías, subindo em direcção a Horcajo. Que panorama estupendo! Lembrei-me da frase de Obermann, de que o sentimento da montanha jamais poderá ser expresso numa língua criada pelos homens das planícies.”
Miguel de Unamuno, in Andanzas y visiones españolas,1920, Coleccion Austral , Espanha
Miguel de Unamuno, in Andanzas y visiones españolas,1920, Coleccion Austral , Espanha
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