Walter Benjamin
(...)Foi um sonho que sobra ainda pelo encanto que me provocou a aprendizagem da leitura e da escrita. Dizia Proust – “ a leitura é uma amizade.(…) Na leitura, a amizade é subitamente reduzida à sua primeira pureza.”
Nunca, então, me acudiu a mais ínfima inquietação de que esse encanto, essa assombrosa aprendizagem não estivesse ao alcance de todos. Quando descobri a verdadeira realidade do meu país, a minha passagem pela Escola Primária já tinha findado .
A Escola trazia-nos um tempo diferente que nos ia fazer crescer e alargar a compreensão do que nos rodeava. Eram estas algumas das palavras que nossos pais nos diziam sobre a necessidade de ir para a Escola. As crianças não têm uma compreensão real da sociedade. E a sociedade que me rodeava, nesse tempo remoto era muito limitada. Talvez, nessa definição do papel da Escola, os meus pais estivessem a querer dizer-nos , de forma velada, o que nos competia descobrir no futuro, quando o conhecimento alargasse os nossos horizontes. Que a vida não se confinava àquilo que os nossos olhos de criança viam.
Viver numa quinta era viver longe do mundo. E para quem tinha uma família numerosa, o mundo era quase constituído pela gente que a compunha.
Tudo o que nos rodeava era um aglomerado de campos tão semelhantes ao nosso. E como gostava deles e da gente que os possuía, lavrava ou habitava. Proprietários, lavradores, trabalhadores, camponeses eram todos pessoas como nós. A ruralidade vestia-nos a todos. Era o traço que distinguia e definia os meninos que , tal como eu, iam, nesse dia, para a Escola. A noção de mundo resumia-se a essa percepção.
As aulas decorreram, nesse primeiro ano, em constante e maravilhosa descoberta. Os sons dos ditongos, das sílabas e a respectiva concatenação em palavras que se uniam em frases e fabricavam textos que me levavam para lá de qualquer sala, onde quer que estivesse , foi o despertar mais importante da minha vida. Se pudesse determinar o meu real nascimento, colocá-lo-ia nesse ano. O outro ano, em que se registou o meu verdadeiro nascimento, passaria a designar-se como o ano zero, o ano em que me puseram num mundo ainda em trevas."
Maria José Vieira de Sousa, in "O livro que já escrevi", pp.114-116
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