" O nacionalismo está longe de ser o único obstáculo a formas notáveis de coesão social. Considerai , por exemplo, a Grécia antiga. Cada um dos Estados que a compunham excepto Esparta, estava dividido entre democratas e oligarcas. As lutas partidárias eram de uma violência incrível, e cada facção estava sempre disposta a aniquilar o maior número de antagonistas. Queria também contrair alianças com outras cidades onde o mesmo partido estava no poder. Mas em nenhum momento, depois da vitória alcançada nas guerras médicas, a Grécia desejou constituir-se como uma unidade. Embora os gregos fossem então os guias da civilização e manifestassem em relação aos «bárbaros» um vivo sentimento de superioridade, combatiam-se constantemente uns aos outros em guerras fúteis e assim enfraqueceram tanto que puderam ser facilmente subjugados por inimigos do exterior. Os conflitos entre democratas e oligarcas que pareciam abalar o Mundo, foram sufocados sob o peso do Império Romano e reduzidos a simples querelas entre concelhos municipais. A mesma aventura sucedeu na Itália da Renascença e ameaça hoje a Europa Ocidental.
O que erradamente se chama «natureza humana» gosta de ter alguém para odiar, e só se sente absolutamente satisfeita quando algum inimigo é prejudicado. Tais sentimentos têm limitado até agora a extensão da coesão social, extensão que se tornou hoje de imperiosa necessidade para a raça humana poder persistir. Os verdadeiros obstáculos à realização duma comunidade universal residem na alma de cada um de nós. São os prazeres que nos provêem do ódio , da malícia e da crueldade. Para que a humanidade sobreviva, será necessário encontrar uma forma de vida que não implique nenhuma espécie de indulgência para tais prazeres. E para que tal forma de vida se imponha não é preciso simplesmente abnegação e domínio de si próprio. Só se conseguirá por meio de uma completa mudança das origens da felicidade e dos impulsos inconscientes que formam as nossas expressões morais. É possível e será mesmo fácil em condições ligeiramente diferentes , viver feliz - muito mais feliz do que qualquer pessoa pode ser hoje - sem ruindade e sem ódio e sem o desejo de alcançar o triunfo em conflitos desastrosos. Os homens têm de aprender a viver desta forma se não quiserem que a técnica científica provoque uma catástrofe. "
Bertrand Russell, in "A última oportunidade do homem", Guimarães Editores, Lisboa, pp.85-87
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