segunda-feira, 27 de abril de 2020

FERNANDO PESSOA SOZINHO NO CHIADO

Um novo poema de Eugénio Lisboa , em tempo de peste, que nos dá honroso prazer publicar.
Estátua de Fernando Pessoa, no Chiado, Lisboa
Estátua de Fernando Pessoa, no Chiado, Lisboa


FERNANDO PESSOA
SOZINHO NO CHIADO

Estrangeiro sempre me conheci,
estranho entre os homens que acho estranhos,
mal roçando um amor que demiti,
e acalentando sonhos tamanhos;
paranóico, bizarro e ausente,
homem sem corpo e de alma pouca,
alcoólico de génio, demente,
pedinte e vadio de ambição louca,
assexuado bicho desgraçado,
sorrindo em itálico reprimido,
em vez da vida, o verso bem limado,
em vez da posse, o abraço bem fingido,
- assim grande e ausente me puseram,
plantado em pedra aqui no Chiado.
Palhaço de turistas me fizeram,
só, entre papalvos, alapardado!
E aqui fui moendo o meu tédio,
cercado de gente, mas solitário,
vivendo a eternidade sem remédio,
neste horrível mundo oco e arbitrário!
Entre só mas rodeado de gente
e só sem que ninguém me atormente,
confesso que ficarei mais contente,
neste mundo sem gente de repente!
                                               27.04.2020
Eugénio Lisboa,
que pede escusa ao grande escritor por lhe pôr na boca estas palavras álgidas e lúcidas (“Merda, sou lúcido!”, não era mais ou menos isto que dizia o seu histérico heterónimo, Álvaro de Campos?).

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