Picasso, Mulheres de Argel,1955 |
"Preciso de trabalhar!
É curioso. Como tenho coragem de dizer de mim para mim uma frase destas? E digo-a, e repito-a...
Trabalhar é, por exemplo, mostrar que penso, que tenho opinião, que assento numa ideia.
E para isso me forço a entender e a partilhar a complicada engrenagem do pensamento dos outros.
Triste necessidade! Estúpido preconceito este de que há formas únicas e boas de se pensar...unânimes! A fatalidade idiota de se entrar num consenso de opiniões!
E eu martirizo-me para adquirir semelhante disciplina.
Esta noite, trabalhar não será ler, será escrever...
Mas para retardar ainda um pouco o trabalho, olho para umas poucas de coisas impressas...e folheio uma biografia de Picasso. Leio-a. Interessa-me.
Esta biografia não é brilhante, nem reduzida ao essencial. Descreve, entre demasiadas mesuras e deferências, as fases que atravessou Picasso. Mas agrada-me a revelação da mudança de Picasso. Que quer ele , através das suas fases estéticas? Ultrapassar uma forma, um gosto, uma norma estável de perfeição...Quer que o espírito não pare, quer ensaiar sempre a expressão nova, e, o que ainda é mais , fazer variar a concepção dos juízos , criar novas formas de apreço e de ideação!
A Picasso não o descontenta especialmente a imperfeição formal, o mal-atingido, o incompleto dentro de um processo corrente; interessa-o o modo , o modo pessoal de se conceber e de representar o mundo.
O biógrafo de Picasso diz: « Pintar deixou de se imitar, para se tornar uma nova arte conceptual, a arte de combinar, de procurar novas harmonias e novas expressões , novos sentidos.» "
Irene Lisboa, in "Solidão - Obras de Irene Lisboa, volume II", Editorial Presença, pp.55,56
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