«Dá-me a tua mão:
Vou te
contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi
a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de
música existe uma nota, entre dois factos existe um facto, entre dois grãos de
areia, por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um
sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a
linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua
do mundo e aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.
(…)
E agora não
estou tomando tua mão para mim. Sou eu quem está te dando a mão.
Agora preciso de tua mão, não para que
eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo. Sei que acreditar em tudo
isso será, no começo, a tua grande solidão. Mas chegará o instante em que me
darás a mão, não mais por solidão, mas como eu agora: por amor. Como eu, não
terás medo de agregar-te à extrema doçura enérgica do Deus. Solidão é ter
apenas o destino humano.
E solidão é não precisar. Não precisar
deixa um homem muito só, todo só. Ah, precisar não isola a pessoa, a coisa
precisa da coisa: basta ver o pinto andando para ver que seu destino será
aquilo que a carência fizer dele, seu destino é juntar-se como gotas de
mercúrio a outras gotas de mercúrio, mesmo que, como cada gota de mercúrio, ele
tenha em si próprio uma existência toda completa e redonda.
Ah, meu amor, não tenhas medo da
carência: ela é o nosso destino maior. O amor é tão mais fatal do que eu havia
pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos
garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está,
está sempre. Falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão.»
Clarice Lispector, in " A paixão segundo G.H.", Relógio D'Água, pp.79 e136
Sem comentários:
Enviar um comentário