Herberto Helder, in Photomaton e Vox, Porto Editora
“Sem dizer o
fogo — vou para ele. Sem enunciar as pedras, sei que as piso — duramente, são
pedras e não são ervas. O vento é fresco: sei que é vento, mas sabe-me a fresco
ao mesmo tempo que a vento. Tudo o que eu sei já lá está, mas não estão os meus
passos nem os meus braços. Por isso caminho, caminho, porque há um intervalo
entre tudo e eu, e nesse intervalo entre tudo e eu, e nesse intervalo caminho e
descubro o meu caminho.
Mas entre mim e os meus passos há um intervalo também: então invento os meus passos e o meu próprio caminho. E com as palavras de vento e de pedra, invento o vento e as pedras, caminho um caminho de palavras.
Mas entre mim e os meus passos há um intervalo também: então invento os meus passos e o meu próprio caminho. E com as palavras de vento e de pedra, invento o vento e as pedras, caminho um caminho de palavras.
Caminho um
caminho de palavras
(porque me
deram o sol)
e por esse
caminho me ligo ao sol
e pelo sol
me ligo a mim
E porque a
noite não tem limites
alargo o
dia e faço-me dia
e faço-me
sol porque o sol existe
Mas a
noite existe
e a
palavra sabe-o.
António Ramos
Rosa, in "Antologia Poética", prefácio, bibliografia e selecção de Ana
Paula Coutinho Mendes, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001
A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que não te vejo.
Boca na boca através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.
António Ramos
Rosa, in "Nos Seus Olhos de Silêncio", Lisboa:,Publicações Dom
Quixote, 1970; "Antologia Poética", prefácio, bibliografia e selecção
de Ana Paula Coutinho Mendes, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001 – p. 116
Uma excelente selecção. A nudez das palavras desnuda-se.
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