“Estas luzes do fim de
Agosto deitam sombras insuportáveis sobre o futuro próximo
Às vezes é preciso
ser-se críptico para se ser entendido. A simplicidade é bonita mas esconde
muito. Os nossos olhos não são como máquinas fotográficas, nem microscópios ou
telescópios: apanham tudo sem saber o que seleccionar. Estão sempre acesos. O
fogo de ver é existir.
É como os crepúsculos de
Agosto: estas luzes, que discutem infinitamente a superioridade das
cores-de-rosa sobre as cores-de-laranja, nunca mais acabam, graças a Deus. A
festa festeja-se quando começam.
Olho para estes céus e
sou incapaz de transcrevê-los, tal é o pasmo. As palavras e o escrever parecem
grosseiras ao pé de tal acontecer. São tão tardias que apetece desistir delas.
A beleza, tradicional e previsível, também se define através da incapacidade de
falar acerca das coisas verdadeiramente belas.
Estas luzes do fim de
Agosto deitam sombras insuportáveis sobre o futuro próximo, necessariamente
pior, e o passado que nunca conseguimos ultrapassar, por lá permanecermos,
incapazes de conceber que poderíamos melhorar.
Antes da última semana
de Agosto os corações portugueses começam a arder quando mais esperavam
apagar-se. As luzes destes céus são tão violentas que nos obrigam a abdicar de
qualquer opinião acerca delas.
Estas luzes que agora
chegam, no fim de Agosto, vêm avisar-nos que devemos ser mais claros. Já que
nunca poderemos ser salvos, vale mais perdermo-nos com a glória de nos termos
sacrificado pela felicidade.
É com a maior felicidade
que morremos — e nascemos outra vez.”
Miguel Esteves Cardoso, em Crónica publicada no jornal
Publico, 20/08/2016 - 01:36
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