Raduan
Nassar é o vencedor do Prémio Camões
Por Isabel Lucas e Luís Miguel Queirós
“É o 28.º autor, e o 12º brasileiro a
receber aquele que é considerado o mais importante prémio literário destinado a
autores de língua portuguesa.
O Prémio Camões 2016 foi esta
segunda-feira atribuído por unanimidade ao escritor Raduan Nassar, de 80 anos,
o 12.º brasileiro a receber aquele que é considerado o mais importante prémio
literário destinado a autores de língua portuguesa. O júri sublinhou "a
extraordinária qualidade da sua linguagem" e a "força poética da sua
prosa".
"Através da ficção, o autor
revela, no universo da sua obra, a complexidade das relações humanas em planos
dificilmente acessíveis a outros modos do discurso", diz a justificação do
júri, acrescentando que "muitas vezes essa revelação é agreste e incómoda,
e não é raro que aborde temas considerados tabu". O júri realça ainda
"o uso rigoroso de uma linguagem cuja plasticidade se imprime em
diferentes registos discursivos verificáveis numa obra que privilegia a
densidade acima da extensão".
Com apenas três livros publicados – os
romances Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera (1978) e o livro de contos
Menina a Caminho (1994) –, a exiguidade da obra não impede que Raduan Nassar
seja há muito considerado pela crítica
um dos grandes nomes da literatura brasileira, ao nível de um Guimarães Rosa ou
de uma Clarice Lispector.
Se a singularidade de Nassar lhe
garantiu desde cedo um círculo de admiradores fiéis, e se os seus romances
alcançaram algum sucesso internacional já na primeira metade dos anos 80,
quando foram traduzidos para francês e inglês, a popularidade da sua obra aumentou
significativamente com a adaptação cinematográfica de Um Copo de Cólera, em
1999, numa realização de Aluizio Abranches, e de Lavoura Arcaica, em 2001, num
filme de Luiz Fernando Carvalho.
Já este ano, Nassar foi um dos 13
escritores escolhidos para a longlist do MAN Booker International Prize, com a
tradução inglesa de Um Copo de Cólera, mas não chegou à lista de seis
finalistas, que incluiu o angolano José Eduardo Agualusa.
Com um valor pecuniário de cem mil
euros, o prémio foi anunciado ao fim da tarde no Hotel Tivoli pelo secretário
de Estado da Cultura, Miguel Honrado, após a reunião do júri, que este ano
incluiu a professora e ensaísta Paula Morão e o poeta e colunista Pedro Mexia,
os professores universitários, críticos e escritores brasileiros Flora
Süssekind e Sérgio Alcides do Amaral, e ainda o autor moçambicano Lourenço do
Rosário, reitor da Universidade Politécnica de Maputo, e a ensaísta são-tomense
Inocência Mata, actualmente radicada em Macau.
Instituído em 1988 pelos governos de
Portugal e do Brasil, o prémio Camões é atribuído a “um autor de língua
portuguesa que tenha contribuído para o enriquecimento do património literário
e cultural da língua comum”, diz o respectivo protocolo, na sua versão revista
de 1999. O acordo obriga a que o prémio seja alternadamente atribuído em
território português e brasileiro, e a sua história sugere que tem também
prevalecido a intenção de equilibrar o número de vencedores portugueses e
brasileiros, bem como a preocupação de fazer representar as várias literaturas
africanas.
Antes do prémio agora atribuído a
Nassar, Portugal e Brasil estavam empatados com 11 autores de cada país. Miguel
Torga foi o primeiro escritor a receber o Camões, em 1989, e o prémio voltou a
ficar em Portugal mais dez vezes: Vergílio Ferreira recebeu-o em 1992, José
Saramago em 1995, Eduardo Lourenço em 1996, Sophia de Mello Breyner Andresen em
1999, Eugénio de Andrade em 2001, Maria Velho da Costa em 2002, Agustina
Bessa-Luís em 2004, António Lobo Antunes em 2007, Manuel António Pina em 2011 e
Hélia Correia em 2015.
A lista de premiados brasileiros
começa com João Cabral de Melo Neto, em 1990, e inclui Rachel de Queiroz
(1993), Jorge Amado (1994), António Cândido (1998), Autran Dourado (2000),
Rubem Fonseca (2003), Lygia Fagundes Telles (2005), João Ubaldo Ribeiro (2008),
Ferreira Gullar (2010), Dalton Trevisan (2012) e Alberto da Costa e Silva
(2014).
O poeta moçambicano José Craveirinha
foi o primeiro autor africano a receber o Camões, em 1991. Em 1997, Pepetela,
então com 56 anos, tornava-se simultaneamente o primeiro angolano e o mais
jovem autor de sempre – ainda o é – a ser galardoado com este prémio, que só
voltaria à literatura africana em 2006 para reconhecer a obra do angolano
Luandino Vieira, que recusou o galardão. Em 2009, venceu o poeta cabo-verdiano
Arménio Vieira, e em 2013 o escolhido foi o romancista moçambicano Mia Couto." Público, 30.05.2016
Sobre Um copo de Cólera de Raduan Nassar:
"... e estava assim na janela, quando ela veio por trás e se enroscou de novo em mim, passando desenvolta a corda dos braços pelo meu pescoço, mas eu com jeito, usando de leve os cotovelos, amassando um pouco seus firmes seios, acabei dividindo com ela a prisão a que estava sujeito, e, lado a lado, entrelaçados, os dois passamos, aos poucos, a trançar os passos, e foi assim que fomos directamente pro chuveiro."
"O corpo antes da roupa", afirma a personagem de Um copo de cólera ao narrar o que acontece numa manhã qualquer, depois de uma noite de amor, quando a aparente harmonia entre ele e sua parceira se rompe de repente. Tensa, contundente, a linguagem de Um copo de cólera alcança tal intensidade e vibração que faz desta narrativa uma obra singular da literatura brasileira, um clássico dos nossos tempos.!" Companhia das Letras
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