( Rio de Janeiro, 1960 - Reeleição)
"Sentindo-se popular, aplaudido pelo povo devido ao carácter democrático, progressista de seu governo - a implantação da indústria automobilística, a construção de Brasília -, quando se aproximava o fim do mandato , Juscelino Kubitschek sonhou com a possibilidade de reeleição. Não era fácil, a Constituição proibia, mas...Consultou Otto Lara Rezende, o oráculo lhe disse: quem sabe um manifesto encabeçado por homens de cultura poderia dar início ao movimento. Fui contactado juntamente com alguns outros escritores.
Para começo de conversa, Eduardo Portella e eu pusemos de pé uma carta de reivindicações referentes à política interna e externa, reivindicações reclamadas por muitos intelectuais e pelas massas populares. Se Juscelino se comprometesse com tal programa talvez fosse possível lançar-se uma campanha pela reeleição. Eram quinze ou vinte itens, quantos e quais já não guardo memória , sei, porém, que o Presidente, ao examiná-los concordou com todos menos com um. Aquele que reclamava posição independente do Brasil na guerra pela independência das colónias africanas sujeitas ao império luso: exigíamos que o governo brasileiro deixasse de apoiar o poder salazarista na reacção contra os movimentos independentistas, deixasse de ser sabujo e se proclamasse neutro. Juscelino, até então entusiasmado com nosso programa, arrepiou carreira:
- Isso não. Não posso fazer uma coisa dessas com doutor António.
Doutor António era António de Oliveira Salazar, os políticos brasileiros, mesmo os que se intitulavam progressistas , lambiam as botas do ditador de Portugal. Quem veio romper com tais dependências históricas e humilhantes , da política externa do Brasil foi mesmo Jânio Quadros, queiram ou não aqueles que escrevem a História ao sabor das ideologias."
Jorge Amado, in " Navegação de Cabotagem, Apontamentos para um livro de Memórias que jamais escreverei", Publicações Europa-América, Setembro de 1992, pp 293, 294
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