Mesa de café, oléo sobre tela, Ernst Ludwing Kirchner, 1923, Museu Folkwang, Essen |
Por Moacyr Scliar
Fevereiro de 2010
"As famílias felizes são todas iguais; mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira”, escreveu Leon Tolstoi (1828- 1910) no início mesmo do romance Anna Karenina. A observação ajuda a entender o interesse de muitos autores pela vida familiar, sobretudo pelas histórias infelizes... A desventura parece ser mais interessante (ao menos do ponto de vista literário) que a felicidade. Isso pode ser constatado em três célebres romances, todos relativamente recentes e ostentando nomes de famílias.
O primeiro é Os Maias, de Eça de Queirós (1845-1900), um dos mais importantes escritores portugueses. A trama de Os Maias (que já deu origem a uma minissérie de televisão no Brasil) passa-se na segunda metade do século XIX, apresentando-nos a história de três gerações. Afonso da Maia, é um homem nobre e rico; seu filho único, Pedro da Maia é emocionalmente instável, sujeito a crises de depressão. Ele melhora ao se casar com a bela e exuberante Maria Monforte, com quem tem dois filhos, Carlos e Maria Eduarda. Pouco depois do nascimento da menina sua esposa apaixona-se por um italiano e foge com ele, levando a filha. Desesperado, Pedro suicida-se. Afonso dedica a vida a cuidar do neto, que cresce, forma-se em medicina e torna-se amante de Maria Eduarda, que – tragédia é tragédia, com todas as coincidências às quais a tragédia tem direito – é a irmã que ele não conheceu. Quando descobre a verdade, Carlos continua mantendo uma relação incestuosa com Maria Eduarda. Afonso da Maia, ao saber disso, tem um acidente vascular cerebral e morre. Maria Eduarda e Carlos separam-se e seguem cada um a sua vida, em um final amargo.
O segundo romance é Os Buddenbrook. O alemão Thomas Mann (1875 – 1955) tinha apenas 26 anos quando publicou essa importante obra. A literatura estava em seu genoma: o irmão mais velho, Heinrich, também escritor. Três dos seus seis filhos, Erika, Klaus e Golo, dedicaram-se à literatura. O romance, que foi um sucesso e lhe deu o Prémio Nobel de Literatura (1929), tem como subtítulo O declínio de uma família. A obra mostra a decadência de um clã mercantil de Lübeck, na Alemanha, ao longo de quatro gerações. Nisso, Thomas seguia a trajectória de Heinrich, que anos antes escrevera o romance In einer Familie (Numa família). Além de reflectir os dramas pessoais dos personagens, o livro é um gigantesco painel histórico, mostrando a revolução de 1848, a guerra austro-prussiana e a formação do império germânico.
Também num cenário histórico conturbado transcorre Os Thibault, do francês Roger Martin du Gard (1881-1958), escritor que, para a minha geração, foi um verdadeiro guru. Como Os Buddenbrook, a obra monumental (três ou cinco volumes, conforme a edição) deu ao autor o Nobel de Literatura (1937). De família de classe média, Gard era um grande leitor e inspirou-se em Guerra e Paz, de Tolstoi, para mostrar a decadência social no período anterior à Primeira Guerra. Os principais personagens são os irmãos Jacques Thibault, socialista e pacifista, e Antoine Thibault, médico de rigoroso espírito cartesiano. Personalidades opostas, portanto, constituindo uma espécie de bipolaridade emocional. Ambos morrem em consequência da guerra; a agonia de Antoine, vítima de um ataque de gás (armas químicas eram então comuns), é particularmente pungente.
Nos três romances – que, por coincidência, têm como título sobrenomes de famílias – impressiona a capacidade dos escritores em descrever e interpretar os conflitos familiares, situando-os num contexto histórico e cultural. Psicologia das famílias está hoje na ordem do dia, e para esse tema Eça de Queirós, Thomas Mann e Roger Martin du Gard ofereceram uma contribuição valiosa e original. " Moacyr Scilar
Sobre Moacyr Scilar
"Nasceu em Porto Alegre, Brasil, em 1937 e faleceu em 27 de Fevereiro de 2011. É autor de mais de 80 livros, uma obra que abrange vários géneros: ficção, ensaio, crónica e literatura juvenil. Muitos destes foram publicados nos Estados Unidos, França, Alemanha, Espanha, Portugal, Suécia, Argentina, Colômbia, Israel e outros países, com grande repercussão crítica. Entre outros, recebeu os prémios: Prémio Joaquim Manoel de Macedo (1974), Prémio Erico Verissimo (1976), Prémio Cidade de Porto Alegre (1976), Prémio Guimarães Rosa (1977), Prémio Brasília (1977), Prémio Jabuti (1988, 1993 e 2000), Prémio Associação Paulista de Críticos de Arte (1989), Prémio Casa de las Americas (1989), Prémio Pen Clube do Brasil (1990), Prémio José Lins do Rego (Academia Brasileira de Letras, 1998). Formou-se em medicina em 1962, especializando-se em saúde pública. Em 1993 e 1997 foi professor visitante na Brown University (Departament for Portuguese and Brazilian Studies), nos Estados Unidos.
Moacyr Scliar foi colunista dos jornais Zero Hora e Folha de S.Paulo e colaborou em vários órgãos da imprensa no país e no exterior. Tem textos adaptados para cinema, teatro,TV e rádio, inclusive no exterior. Em 2003, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. " in site da Editora L&PM
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