Acabo de ler , de Onésimo Teotónio Almeida, o livro " Despenteando Parágrafos - Polémicas suaves", publicado em Setembro último e devo esclarecer, com ênfase redobrado, que me deliciou. Quando utilizo este verbo , recordo a minha Mãe, porque sempre que falava de qualquer iguaria para nós desconhecida , utilizava a bela expressão - "Uma delícia". E os olhos brilhavam, com tal intensidade, que nos levavam a desejar provar, de imediato, a tal iguaria. Este livro de Onésino Teotónio Almeida é assim: uma delícia. Uma autêntica iguaria. Apetece lê-lo de imediato. De um só fôlego, de uma só garfada. Aliás, este escritor , natural dos Açores, veste os seus textos com tal graciosidade, penteando elegante e despretensiosamente os parágrafos, que nos cativa e fideliza.
Logo na Introdução , atente-se na despojada vaidade ou na despudorada simplicidade com que esclarece o título deste livro, falsamente roubado a José Cardoso Pires , no célebre Dinossauro Excelentíssimo (1) :
" Quando em 1972 deparei com a expressão " pentear parágrafos" no gostoso livro de José Cardoso Pires, ela plantou-se-me nos olhos e abriu-me um sorriso que ainda hoje renasce ao recordá-la. Espraiava-me eu então nos meus anos rebeldes e, entre as ocupações com que me divertia, coleccionava frases e parágrafos em que o palavreado embrulhava as ideias de modo a dificilmente se lhes enxergar o rasto.
" Quando em 1972 deparei com a expressão " pentear parágrafos" no gostoso livro de José Cardoso Pires, ela plantou-se-me nos olhos e abriu-me um sorriso que ainda hoje renasce ao recordá-la. Espraiava-me eu então nos meus anos rebeldes e, entre as ocupações com que me divertia, coleccionava frases e parágrafos em que o palavreado embrulhava as ideias de modo a dificilmente se lhes enxergar o rasto.
Fui desde cedo tão sensível à clareza de ideias e da sua expressão que, ainda quase imberbe , me senti fulminado por um conceito como esse de " ideias claras e distintas" com que me cruzei na aula de Filosofia. Essa lapidar tirada cartesiana ficou comigo e , por isso, quando anos mais tarde me enfronhei no pensamento francês que, nos finais da década de 60, dominava o espaço intelectual lusitano, estranhei a viragem para a obscura prosa que constantemente emanava de Paris. Criei-lhes imediatas resistências. Autores como Henri Lefebvre, Louis Althusser, Michel Foucault, Jacques Lacan, Giles Deleuze e tantos outros fascinavam-me mas também me incomodavam vivamente. Confesso que em boa parte seria por não conseguir meter-lhes dente, mas na verdade parecia-me que o papel de um autor deveria ser o de transmitir ideias aos leitores, não de ofuscá-las. Sobretudo perturbava-me o tom magistral e todo-sabente dos pensadores parisienses.
Quando me senti com coragem de começar a perguntar à minha volta o significado de passagens obscuras desses luminares , senhores do pensar da época, cedo me apercebi de que , embora sem o admitirem, os meus correligionários também não percebiam. E foi assim que se me desencadeou uma atitude quase militante de confessar abertamente o meu não entendimento de um parágrafo e desafiar a explicar-mo quem professasse compreendê-lo.
Havia uma outra faceta associada a esta: achava ridícula a verborreia empolada, elegante na forma mas sem conteúdo aparente, ou minimamente substancial, que grassava no Portugal dos anos 60 em que me formei ( ou fui formatado). Ria-me consoladamente e hoje ainda conto histórias de experiências nesse campo, todavia pouparei o leitor à reprodução delas aqui. Quando um dia deparei com a frase de Eça de Queirós em Os Maias - " O português nunca pode ser homem de ideias , por causa da paixão da forma. A sua mania é fazer belas frases, ver-lhes o brilho, sentir-lhes a música. Se for necessário falsear a ideia, deixá-la incompleta para a frase ganhar em beleza, o desgraçado não hesita..." -, senti-me legitimado no desejo de me empenhar na causa em prol da linguagem clara e distinta.
Delírios juvenis, obviamente, mas reais e sinceros , com experiências marcantes acumuladas no rolar dos anos. Até dar comigo no contrastante ambiente das aulas de Filosofia numa universidade norte-americana onde imperava a tradição analítica, olhada com suspeita pelas tradições rivais, sobretudo a francesa , esquecida já das recomendações de Descartes. De facto, ambas divergem fundamentalmente em termos de clareza de linguagem. Espantoso para mim era, porém, o facto de as ideias não se tornarem mais simples com a simplificação na forma de exprimi-las. O palavreado apenas complicava sem ajudar, pois as ideias em Filosofia já de per si são complexas quanto baste."
Mais à frente, noutro texto, escreve esta clarividente preciosidade: " Na verdade, se de alguma coisa necessita o discurso intelectual português (não o filosófico, que ele é quase inexistente) é de um bom purgante, ou um detergente poderoso, com um banho geral. E um dentífrico para as palavras. ( Não necessariamente Colgate. A velha Couto serve bem. E não é importada. A publicidade até lhe chama medicinal. Mesmo a propósito!) E umas massagens de lógica e gramática no cérebro dos pensadores. Até talvez isso os fizesse pensar e falar e escrever menos. Aí, sim, gostaria de ver chegar a influência da filosofia analítica. Ah! E à aparência dos intelectuais. Quebrando-lhes a proa. Fazendo-os olhar para o chão, que é onde andam os pés. E onde está o mundo donde lhes vêm as couves."Onésimo Teotónio Almeida, in Despenteando Parágrafos - Polémicas suaves, Quetzal Editores, 1ª edição, Setembro de 2015
É ou não é uma delícia? Vá...., vão prová-lo porque é realmente saboroso. Ah! E aproveitem para reler a inteligente sátira, em jeito de fábula, ao tempo sujo da Ditadura, Dinossauro Excelentíssimo , de José Cardoso Pires. Leiam-na, com atenção, para catar a notável afirmação inspiradora do título deste apetecível livro de Onésimo Teotónio Almeida , que propositadamente não transcrevi, embora o autor o tenha feito.
Mais à frente, noutro texto, escreve esta clarividente preciosidade: " Na verdade, se de alguma coisa necessita o discurso intelectual português (não o filosófico, que ele é quase inexistente) é de um bom purgante, ou um detergente poderoso, com um banho geral. E um dentífrico para as palavras. ( Não necessariamente Colgate. A velha Couto serve bem. E não é importada. A publicidade até lhe chama medicinal. Mesmo a propósito!) E umas massagens de lógica e gramática no cérebro dos pensadores. Até talvez isso os fizesse pensar e falar e escrever menos. Aí, sim, gostaria de ver chegar a influência da filosofia analítica. Ah! E à aparência dos intelectuais. Quebrando-lhes a proa. Fazendo-os olhar para o chão, que é onde andam os pés. E onde está o mundo donde lhes vêm as couves."Onésimo Teotónio Almeida, in Despenteando Parágrafos - Polémicas suaves, Quetzal Editores, 1ª edição, Setembro de 2015
É ou não é uma delícia? Vá...., vão prová-lo porque é realmente saboroso. Ah! E aproveitem para reler a inteligente sátira, em jeito de fábula, ao tempo sujo da Ditadura, Dinossauro Excelentíssimo , de José Cardoso Pires. Leiam-na, com atenção, para catar a notável afirmação inspiradora do título deste apetecível livro de Onésimo Teotónio Almeida , que propositadamente não transcrevi, embora o autor o tenha feito.
Sobre Onésimo Teotónio Almeida
"Nasceu nos Açores ( São Miguel) , em 1946, e reside desde 1972 nos Estados Unidos, vivendo entre as margens americana e europeia do rio que banha as suas ilhas - o Atlântico. Doutorou-se em Filosofia na Universidade de Brown ( Providence, Rhode Island) e aí é catedrático no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros, leccionando também no Wayland Collegium for Liberal Learning e no Renaissance and Early Modern Studies Program da mesma universidade. Divide a sua escrita entre a livre ( crónica, conto, teatro, prosemas) e o ensaio, que ocupa o lugar central.
Tem uma vasta obra publicada. É doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro" (Informações recolhidas em Quetzal Editores)
(1) - José Cardoso Pires, Dinossauro Excelentíssimo, 2ª ed. , Lisboa : Arcádia,1972, p. 24
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