domingo, 21 de junho de 2015

Ao Domingo Há Música

A arte do génio da língua  portuguesa
"A faculdade que tem um povo de criar uma forma verbal aos seus sentimentos e pensamentos é que melhor revela o seu poder de carácter (...). Se a nossa alma, em seu trabalho de exteriorização verbal, se condensou em formas de som articulado, em palavras gráfica e sonicamente originais, também nas obras dos nossos escritores e artistas autênticos se nota uma instintiva compreensão da vida, em perfeito acordo com o génio da língua portuguesa.(...)
A linguagem é obra da natureza e do homem.
As coisas falam à nossa sensibilidade que converte a impressão recebida numa forma de som articulado; isto é, «nomeia» a coisa que a feriu.
O nome de uma coisa (principalmente das coisas vivas e naturais) é, por assim dizer, ela mesma em espírito verbal.
(...)E se as coisas nos falam, também nos falam os nossos sentimentos, para serem nomeados e adquirirem expressão vivente. (...) De um modo geral e vago, assim se criaram as palavras, verdadeiros seres, que, de organismos rudimentares, interjeccionais, se foram aperfeiçoando, pelas leis que presidem ao desenvolvimento das outras criaturas. "Teixeira Pascoaes, In Arte de Ser Português (1915), Lisboa, Delraux, 1978, pp. 25-27


Pedro Moutinho e Mayra Andrade, em “Alfama” de José Carlos Ary dos Santos e Alain Oulman, fado que foi imortalizado por Amália Rodrigues. Pedro Moutinho , fadista da nova geração, dá-lhe o tom de quem sempre viveu com  o fado, de quem o respira e sente intensamente. Mayra Andrade, jovem e notável cantora de Cabo Verde, desfia-o sem pretensões de fadista. Deixa-se ir , impregnando-o com a bela musicalidade da sua graciosa e peculiar voz rouca. 
A lusofonia é também  esta capacidade de partilhar e cantar  Lisboa   num lindo poema em português e em magnífica aposta vencedora.

Alfama
Quando Lisboa anoitece

como um veleiro sem velas

Alfama toda parece

Uma casa sem janelas

Aonde o povo arrefece

É numa água-furtada

No espaço roubado à mágoa

Que Alfama fica fechada

Em quatro paredes de água

Quatro paredes de pranto

Quatro muros de ansiedade

Que à noite fazem o canto

Que se acende na cidade

Fechada em seu desencanto

Alfama cheira a saudade

Alfama não cheira a fado

Cheira a povo, a solidão,

Cheira a silêncio magoado

Sabe a tristeza com pão

Alfama não cheira a fado

Mas não tem outra canção

Ary dos Santos/Alain Oulman

Mariza  e Tito Paris, numa excelente interpretação de " Beijo da Saudade". Duas grandes vozes em português.
Marisa Monte, Cesária Évora e Dulce Pontes cantam "Sodade", na festa da Expo Lisboa 98. Assim acontece  a  verdadeira lusofonia, em  simbiose perfeita.  

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