Escuta escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém – mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar.
Para que não se extingue o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
Eugénio de Andrade, in " O Sal da Língua"1995, da antologia "Poesia", edição da Fundação
Eugénio de Andrade, Porto, 2000
Ninguém me disse: Vai por este caminho de água
Ninguém me disse: Vai por este caminho de água
ou Segue esta vereda silenciosa
Eu vivia na obscuridade com uma lâmpada negra
e a tortura do infinito na minha cabeça esguia
Mas eu amava os muros com insectos e urtigas
e os campos de verdura leve e os límpidos regatos
Era um homem da terra que queria pertencer à terra
e consagrá-la numa relação viva e fértil
Eu queria construir com a matéria espessa
um edificio solar com amplas vidraças
e um terraço aberto à dinâmica languidez do mar
Não sei se o que fiz tem a solidez flexível
de um corpo vegetal mas com extensas pedras
Os que o habitarem talvez se deslumbrem com as claras planícies
e amem a tranquilidade misteriosa dos vales obscuros
Mas para mim não é mais que um amontoado de folhas
algumas verdes outras secas e todas o vento varrerá
Eu vivia na obscuridade com uma lâmpada negra
e a tortura do infinito na minha cabeça esguia
Mas eu amava os muros com insectos e urtigas
e os campos de verdura leve e os límpidos regatos
Era um homem da terra que queria pertencer à terra
e consagrá-la numa relação viva e fértil
Eu queria construir com a matéria espessa
um edificio solar com amplas vidraças
e um terraço aberto à dinâmica languidez do mar
Não sei se o que fiz tem a solidez flexível
de um corpo vegetal mas com extensas pedras
Os que o habitarem talvez se deslumbrem com as claras planícies
e amem a tranquilidade misteriosa dos vales obscuros
Mas para mim não é mais que um amontoado de folhas
algumas verdes outras secas e todas o vento varrerá
António Ramos Rosa , in "O Deus da incerta Ignorância seguido de Incertezas ou Evidências", Guimarães Editora, 2001
Creio que foi o sorriso
Creio
que foi o sorriso,
O
sorriso foi quem abriu a porta.
Era
um sorriso com muita luz
lá
dentro, apetecia
entrar
nele, tirar a roupa, ficar
nu
dentro daquele sorriso.
Correr,
navegar, morrer naquele sorriso."
Eugénio
de Andrade , in "Poesia", edição da Fundação Eugénio de Andrade, Porto, 2000
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