segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Morreu a escritora de a-ver-o -mar

Morreu a escritora Luísa Dacosta
“A escritora Luísa Dacosta morreu neste domingo aos 87 anos no hospital de Matosinhos, disse à Lusa fonte editorial, citando a família
O corpo da escritora, natural de Vila Real, vai estar na segunda-feira a partir das 15:00 no sanatório de Matosinhos, seguindo-se a cremação na terça-feira, às 10:00, segundo a mesma fonte.    
Luísa Dacosta, que completava 88 anos na segunda-feira, formou-se na Faculdade de Letras de Lisboa em Histórico-Filosóficas, iniciou a sua atividade literária em 1955 e recebeu em 2010 o Prémio Literário Vergílio Ferreira, atribuído pela Universidade de Évora. 
Entre os seus livros contam-se «Província», «A Menina Coração de Pássaro», «Sonhos Na Palma da Mão», «O Valor Pedagógico da Sessão de Leitura», «A-Ver-O-Mar» ou «Nos Jardins do Mar». Escreveu também livros infantis. 
Em 2011, a décima edição da revista Correntes, publicação associada ao festival Correntes d'Escritas, na Póvoa de Varzim, homenageou a autora, que na sessão de abertura do certame se mostrou satisfeita por ter tanta gente a «ouvir uma escritora pouco lida». 
«Fui sempre mais homenageada como professora do que como escritora», comentou, confessando que a sua obra -- «autobiográfica» - era pouco compreendida. “JN

 DIÁRIO A BORDO DE UM ELÉCTRICO
Manhã de Primavera (entre a Circunvalação e o Jardim do Passeio Alegre)
Por Luisa Dacosta
"Os guindastes de Leixões ficaram para trás. O eléctrico corre em direcção ao Castelo do Queijo e um ar marinho, sápido e pegajoso, vem às lufadas trazido pelo vento norte, que entra por uma das janelas abertas. Sardinha em lata tem conta. Mas no eléctrico cabe sempre mais um. E é o que acontece, na paragem do redondel, frente à estátua. Entramos na Avenida de Montevideu com as antigas vivendas a transformarem-se e restaurantes e clubes, outras a serem substituídas por andares, outras a degradarem-se à espera de um melhor preço de venda. À direita a esplanada está ainda pouco concorrida: alguns velhos madrugadores a lerem as notícias, dois fãs de footing e o tlim-tlim de uma bicicleta a responder às campainhadas do eléctrico. Depois do Molhe, apetece correr os olhos pela balaustrada. E da pérgola, caramanchão de cimento, olhar o mar, de flor, encristado pela nortada. Uma traineira faz-se ao largo em direcção ao horizonte. Entre as manchas de cor dos canteiros afloram as mantas rochosas da beirada em negro, cinza, lama e rosa. Do lado da terra sucedem-se os andares, as lojas, as agências bancárias da Avenida Brasi. E, de súbito, é a Senhora da Luz: casas de rés-do-chão e andar mais rasteirinhas. Depois do boqueirão da Rua de Diu, que nos devolve o azul e a entrada da Praia dos Ingleses é já o coração da velha Foz e quase se podem fazer compras da janela: no talho, na padaria, no bazar ou supermercado. Mesmo o peixinho miúdo da canastra. Ou cumprimentar conhecidos: - Bom dia! Bom dia! O mar não se perde e arpoa-se pelas travessas da Senhora da Luz e da Praia. E quase logo depois da barbearia, cujo telhado fica ao rés da nossa janela, e onde se vêem esticadas e descontraídas as pernas do primeiro freguês é já o ar mais lavado da Praia da Luz, onde, sem as vermos, sabemos as gaivotas a passear, domésticas, como pombas. No alto a lua é uma água viva, translúcida, translúcida, no oceano azul do céu. Contornamos o forte de São João. Deixamos já o farol e, frente ao Cabedelo, a Praia das Pastoras. Que nome evocativo! Em que tempo outro, e perdido, vinham elas trazer aqui a pastar ervas e maresia os seus carneirinhos? Mas que os traziam, traziam. E um deles, agaiado e perdido do rebanho, com os seus corninhos de biscoitinho queimado, ficou para sempre a pular em cima do Chalé Suíço - e espera-me, familiar, na paragem do jardim."
Luisa Dacosta, in Máxima, Abril de 1992

Nota biográfica
Luísa Dacosta nasceu em 1927, em Vila Real de Trás-os-Montes. Formou-se na Faculdade de Letras de Lisboa, em Histórico-Filosóficas. Mas as suas "Universidades" foram as mulheres de A-Ver-O-Mar, que murcham aos trinta anos, vivem e morrem na resignação de ter filhos e de os perder, na rotina de um trabalho escravo, sem remuneração, espancadas como animais de carga (-Ele não me bate muito, só o preciso) e que, mesmo afeitas, num treino de gerações ,às vezes não aguentam e se suicidam (oh! Senhora das Neves! E tu permites!) depois de um parto, quando o mundo recomeça num vagido de criança! 
Às mulheres de A-Ver-O-Mar "Deve" a língua ao rés do coloquial. Foi professora do ciclo preparatório e alguma coisa deve também aos alunos: o ter ficado do lado do sonho. Isso a motivou a escrever para crianças.
Nota bibliográfica
A autora está representada nas seguintes antologias:
Daqui Houve Nome de Portugal, Eugénio de Andrade, 1969.
De Que São Feitos os Sonhos, Areal Editores, 1985.
Portugal: A Terra e o Homem, Fundação Calouste Gulbenkian, II Vol., 3ª série, 1981.

Escreveu:

Província
Aspectos do Burguesismo Literário
Notas de Leituras
Vóvó Ana,Bisavó Filomena e Eu
De Mãos Dadas Estrada Fora...I
O Príncipe que Guardava Ovelhas
O Valor Pedagógicao da Sessão de Leitura
De Mãos Dadas Estrada Fora...II
O Elefante Cor-de-Rosa
Teatrinho do Romão
A Menina Coração de Pássaro
De Mãos Dadas Estrada Fora...III
A-Ver-O--Mar
Nos Jardins do Mar
Prefácio a Raul Brandão
Corpo Recusado
A Batalha de Aljubarrota
História com Recadinho
Os Magos Que Não Chegaram a Belém
Morrer a Ocidente
Sonhos Na Palma da Mão
Na Água do Tempo
Lá Vai Uma... Lá Vão Duas
(Informações retiradas da FEP)

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