domingo, 4 de janeiro de 2015

Ao Domingo Há Música

Praia da Rocha em dia de temporal, foto de  mjvs
A cantar, na maré que vai
E na maré que vem
Do fim, mais do fim, do mar
Bem mais além
Bem mais além
Do que o fim do mar
Bem mais além.  

O Mar foi sempre o reino da sedução e do mistério. Viver sem Mar é para muitos uma amputação ou uma restrição  à  liberdade. O mar  faz parte do imaginário, mas é  real , vivo  e presente.
Há uma Literatura construída com Mar. E Música onde as ondas vibram e as marés acontecem. E telas de  maresia em matizes  de cores sublimes que brilham consoante os olhares as abarcam.
E  há  o culto, a fé,  a esperança daqueles que nele labutam.  O mar fértil, o mar pródigo, o mar imprevisível, o mar cruel , o mar de todos  e de nenhum. 
É  no mar que Iemanjá   se celebra em culto que a instituiu como  a rainha do Mar.
Conta quem sabe que " Iemanjá, nasceu em África. Está associada aos rios  , à fertilidade das mulheres, à maternidade e principalmente ao processo de criação do mundo e da continuidade da vida. O culto original  associa-a  ao plantio e colheita dos inhames e colecta dos peixes, que explica o seu nome Yemojá (Yeye Omo Ejá), Mãe dos filhos peixes, divindade regente da pesca.
Em África, Iemanjá era  originalmente a divindade das águas doces, ninfa do rio Ogum, celebrada em culto pelos ebás, povo africano de uma região situada entre as cidades de Ifé e Ibadan. O culto de Iemanjá realizado à beira do rio Ogum em Abeocutá  ( África), transferiu-se para o mar, no Brasil. No continente de origem, o mar era o reino mítico de Olocum, o Dono ou a Dona do Mar, divindade considerada pai ou mãe de Iemanjá. Os orixás africanos estavam associados a um acidente geográfico específico, especialmente aos rios . No Brasil perderam tal associação e tiveram o culto generalizado. Iemanjá perdeu o rio Ogum e ganhou o mar.  A rainha do mar passou a ser um dos estatutos de Iemanjá,  no Brasil. O seu poder  e culto como figura marinha têm enorme relevância na vida dos pescadores. Este aspecto marítimo desenvolveu-se associando Iemanjá à figura da sereia, não só a europeia, mas também à africana. Como figura marinha, Iemanjá desempenha duplo papel. De um lado ela é a mãe que propicia a pesca abundante – que controla o movimento das águas, ondas e marés – da qual depende a vida do pescador. De outro,  ela é a sereia sedutora, que atrai o pescador, o ama e o mata ou o deixa morrer nas profundezas do mar para onde o leva e onde o prende para amá-lo." *
Neste primeiro Domingo de 2015, a celebração fica no Mar. Não em nome de Iemanjá , mas acreditando que nos espera  um novo ano  que desejamos fecundo e de largos horizontes. 
Eis as vozes  de Marisa Monte e de Cesária Évora, em "É doce morrer no mar" . Um momento musical de excepcional beleza.


É doce morrer no mar,
Nas ondas verdes do mar

A noite que ele não veio foi,
Foi de tristeza pra mim
Saveiro voltou sozinho
Triste noite foi pra mim

É doce...

Saveiro partiu de noite, foi
Madrugada não voltou
O marinheiro bonito
Sereia do mar levou.

É doce...

Nas ondas verdes do mar, meu bem 
Ele se foi afogar
Fez sua cama de noivo 

No colo de Iemanjá
Jorge Amado e Dorival Caymmi

A  excelente voz de Mia Doi Todd interpretando "O canto de Iemanjá" de Vinícius de Moraes  e Baden Powell.
Esta gravação  "faz parte da compilação "Red Hot + Rio 2", com novas versões para clássicos da Tropicália. O disco foi lançado pela Red Hot (organização que levanta fundos para a luta contra o HIV e a Aids) 15 anos depois da compilação que recriou clássicos da bossa nova. O álbum duplo produzido pelo brasileiro Béco Dranoff também lança novas luzes sobre faixas de uma MPB mais ampla, que dialogam com o género criado em 1968. Há participações de Beirut, of Montreal + Mutantes, Apollo 9 + Céu + N.A.S.A., Curumin, David Byrne, Orquestra Contemporânea de Olinda, o rapper Emicida e outros grandes nomes da música internacional."

Iemanjá, lemanjá
lemanjá é dona Janaína que vem
Iemanjá, Iemanjá
lemanjá é muita tristeza que vem

Vem do luar no céu
Vem do luar
No mar coberto de flor, meu bem
De Iemanjá
De lemanjá a cantar o amor
E a se mirar
Na lua triste no céu, meu bem
Triste no mar

Se você quiser amar
Se você quiser amor
Vem comigo a Salvador
Para ouvir lemanjá


A cantar, na maré que vai
E na maré que vem
Do fim, mais do fim, do mar
Bem mais além
Bem mais além
Do que o fim do mar
Bem mais além.

Vinícius de Moraes  e Baden Powell

Do Brasil, a voz maior de Maria Bethania  em " Iemanjá, Rainha do Mar". Poesia de Sophia Mello Breyner  Andresen e uma canção que lançam  cor a qualquer dia.
Mar sonoro
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Dia do Mar”,ed. Caminho

Adenda explicativa 
Sobre este culto a Iemanjá ," Le monde diplomatique ", edição do Brasil ( Fevereiro de 2010), publicou um artigo na secção de Cultura Popular, sob o título de  " Iemanjá , a mãe poderosa "  que termina com o capítulo que se  transcreve.
Gratidão
"Nesse universo de fé e consternação nacional, devemos lembrar a figura mais significativa do culto de Iemanjá, o pescador, cantado em verso na música do compositor brasileiro Dorival Caymmi. O grande cantor do mar e pioneiro das histórias que falam de Iemanjá cantou este orixá em 1939, em “Promessa de Pescador”. Nos trechos de sua música Caymmi lembra que no dia de Iemanjá, o pescador foi ao mar prometer e ao mar ele vai levar um presente bonito para dona Iemanjá. Muitos pescadores são devotos da Rainha do Mar, de norte a sul, em toda orla marítima brasileira e não só nas datas festivas, eles fazem suas oferendas a Iemanjá que lhes dá o peixe como meio de sobrevivência, que eles vendem e agradecem a ela. Essa gratidão é compartilhada pelo povo mais pobre que vive na beira do mar, que ali acorre numa busca, às vezes desesperada, do compadecimento da grande deusa do mar; ou mesmo por aqueles de melhores condições de vida, mas que comparecem com o mesmo sentimento e a mesma busca, o colo de Iemanjá.
Iemanjá arrasta sua saia prá lá e prá cá no deslizar das ondas, trazendo o peixe, mas fazendo o pescador sentir que lhe deve essa oferenda. O pescador retribui num gesto agradecido com oferendas. As lendas dos pescadores povoam o imaginário popular brasileiro. Os pescadores são encantados por Iemanjá, são levados por ela, amados por ela, enfim, num jogo cíclico próprio dessas histórias.
O povo brasileiro, devoto religioso de tantos santos e santas cristãs, orixás e voduns e tantos outros guias e mestres, e muito já se acostumou a ver instaurar-se em seu território várias concepções religiosas. Há, nessas religiões vários sentimentos que reflectem uma comoção social, apoiados numa devoção que sugere a busca e apego ao divino. Iemanjá, conforme aqui vista, sem dúvida nenhuma promove um fenómeno religioso-social que comove este povo. Ela está presente nos terreiros de candomblé e umbanda; nas festas públicas de praia ou ainda no falar do povo de santo ou do povo comum de nosso país. Iemanjá é conhecida por todos, é cantada e festejada. Até mesmo os seguidores de outras religiões falam de seus poderes e domínios. Iemanjá é brasileira e é africana."Armando Vallado
Armando Vallado é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo e autor do livro Iemanjá a grande mãe africana do Brasil, ed. Pallas, 2002.

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