A 1 de Dezembro de 1934 é publicada a Mensagem, único livro de poesia em português editado enquanto Fernando Pessoa está vivo. Alguns exemplares já tinham sido impressos em Outubro, para que o livro pudesse concorrer ao prémio Antero de Quental, criado pelo Secretariado de Propaganda Nacional. Não tendo o mínimo de cem páginas necessário para concorrer na primeira categoria, Mensagem ganhou o prémio destinado à segunda categoria.
D. FERNANDO INFANTE DE PORTUGAL
Deu-me Deus o seu gládio, por que eu faça
A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
Às horas em que um frio vento passa
Por sobre a fria terra.
Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
E esta febre de Além, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro em mim a vibrar.
E eu vou, e a luz do gládio erguido dá
Em minha face calma.
Cheio de Deus, não temo o que virá,
Pois venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma.
Fernando Pessoa in Mensagem, com uma nota de David Mourão-Ferreira, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa 1959
Dos outros poemas datados, os mais antigos são de Setembro de 1918. Portanto : o Fernando Pessoa épico devia estar latente em 1912, ano em que prometeu um super-Portugal e um super-Camões; mas provavelmente foi a ditadura de Sidónio, eleito presidente em 9 de Maio de 1918 e assassinado em 14 de Dezembro do mesmo ano, que deu o abalo decisivo da Mensagem, tanto mais que em Fevereiro de 1920 publicou Fernando Pessoa no jornal Acção o poema À Memória do Presidente -Rei Sidónio Pais.
O autor da Mensagem singulariza-se como um épico sui generis, introvertido, cantor, sem tuba ruidosa , de miríficas irrealidades. Escreveu seu livro « à beira-mágoa» de olhos humedecidos, para expandir a «febre de Além» que atribui ao infante D.Fernando, para condensar em verbo poético o sonho duma Índia que não há, por isso melhor." Jacinto do Prado Coelho, in " Diversidade e Unidade em FERNANDO PESSOA" , Editorial Verbo
[SCREVO MEU LIVRO À BEIRA-MÁGOA.]
Screvo meu livro à beira-mágoa.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.
Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?
Quando virás a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?
Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras português,
Tornar-me mais que o sopro incerto
De um grande anseio que Deus fez?
Ah, quando quererás voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?
10.12.1928 Fernando Pessoa, in Mensagem, com uma nota de David Mourão-Ferreira, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa 1959
10.12.1928 Fernando Pessoa, in Mensagem, com uma nota de David Mourão-Ferreira, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa 1959
" Toda a obra de Fernando Pessoa é, porém, comparável àquele deus bifronte ( a que ele próprio algures se referiu) com uma face que olha o Passado e outra que olha o Futuro. Por um natural impulso de modéstia, foi levado a acentuar principalmente as feições da primeira. Mas os traços da outra dia a dia se tornam mais afirmativos, mais nítidos, mais claros.
Essa mesma modéstia o obrigou, no último momento, a dar a este livro o título de Mensagem. Longamente sonhara, para ele, o nome de Portugal: receou, no entanto, que a designação parecesse ambiciosa. Alguns sentiram logo que o não seria; todos sabemos hoje que o não era. Verdadeira imagem de Portugal, com a carne da História sublimada na auréola do Mito, a Mensagem constitui, nos tempos modernos , uma das raras possibilidades de sobrevivência da epopeia em verso. Os pormenores sucedem-se, avultam, não já ligados por voluntariosas ou frouxas transições, mas numa aparente independência que maior força lhes dá e mais singularmente os ilumina. A obra foi, todavia, ideada em conjunto, e as três partes em que ela se divide correspondem a um desenho assaz preciso : na primeira - Brasão -, ficam interpretados os seculares motivos dos campos, dos castelos, da quinas, da coroa, e do timbre;
O DOS CASTELOS
A Europa jaz,
posta nos cotovelos:
De Oriente a
Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe
românticos cabelos
Olhos gregos,
lembrando.
O cotovelo
esquerdo é recuado;
O direito é
em ângulo disposto.
Aquele diz
Itália onde é pousado;
Este diz
Inglaterra onde, é afastado,
A mão
sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com
olhar sfíngico e fatal,
O Ocidente,
futuro do passado.
O rosto com
que fita é Portugal.
8.12.1928
Fernando Pessoa, in Mensagem, com uma nota de David Mourão-Ferreira, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa 1959
na segunda - Mar Português -, apresenta-se ele um políptico do período áureo das navegações portuguesas;
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
10.01.1922
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
10.01.1922
in Mensagem
por fim, na terceira - O Encoberto -, sabiamente entrelaça os temas do auge e do declínio, da derrota e da esperança. E aquela exclamação « É a Hora», com que o livro termina, bem necessita de encontrar eco no maior número de corações." Nota de David Mourão- Ferreira in Mensagem, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa 1959
NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
TÁBUA CRONOLÓGICA DE FERNANDO PESSOA
1888: Nasce
Fernando António Nogueira Pessoa, em Lisboa.
1893: Perde o pai.
1895: A mãe casa-se com o comandante João Miguel Rosa. Partem para Durban, África do Sul.
1904: Recebe o Prémio Queen Memorial Victoria, pelo ensaio apresentado no exame de admissão à Universidade do Cabo da Boa Esperança.
1905: Regressa sozinho a Lisboa.
1912: Estreia-se na Revista Águia.
1915: Funda, com alguns amigos, a revista Orpheu.
1918/21: Publicação dos English Poems.
1925: Morre a mãe do poeta.
1893: Perde o pai.
1895: A mãe casa-se com o comandante João Miguel Rosa. Partem para Durban, África do Sul.
1904: Recebe o Prémio Queen Memorial Victoria, pelo ensaio apresentado no exame de admissão à Universidade do Cabo da Boa Esperança.
1905: Regressa sozinho a Lisboa.
1912: Estreia-se na Revista Águia.
1915: Funda, com alguns amigos, a revista Orpheu.
1918/21: Publicação dos English Poems.
1925: Morre a mãe do poeta.
1934
Maio: Pessoa publica o poema «Eros e
Psique», a sua última colaboração na Presença.
11 de
Julho: Começa a
escrever uma grande quantidade de quadras que, quanto à forma (mas nem sempre
quanto à temática), se podem chamar «populares». Escreverá, até Agosto de 1935,
mais de 350 destas quadras.
1 de
Dezembro: Sai Mensagem, único livro de poesia em português publicado por Pessoa.
Alguns exemplares já tinham sido impressos em Outubro, para que o livro pudesse
concorrer ao prémio Antero de Quental, criado pelo Secretariado de Propaganda
Nacional. Não tendo o mínimo de cem páginas necessário para concorrer na
primeira categoria, Mensagem ganhou o prémio destinado à segunda categoria.
1935
13 de
Janeiro: Escreve,
para Adolfo Casais Monteiro, a famosa carta sobre a génese dos heterónimos.
4 de
Fevereiro: Publica,
no Diário de Lisboa, um veemente artigo contra um projecto de lei, proposto em
15/1/1935, que visa suprimir as «associações secretas», nomeadamente a Ordem
Maçónica.
21 de
Fevereiro: Salazar,
na entrega dos prémios literários do SPN (a que Pessoa, um dos galardoados, não
assistiu), refere-se no seu discurso a «certas limitações» e a «algumas
directrizes» que os «princípios morais e patrióticos» do Estado Novo «impõem à
actividade mental e às produções da inteligência e sensibilidade».
16 de Março: Pessoa escreve «Liberdade», primeiro de vários poemas anti-Salazaristas.
16 de Março: Pessoa escreve «Liberdade», primeiro de vários poemas anti-Salazaristas.
5 de Abril: A Assembleia Nacional aprova, por
unanimidade, a lei contra as «associações secretas».
21 de
Outubro: Pessoa
escreve «Todas as cartas de amor são /Ridículas», último poema datado de Álvaro
de Campos.
13 de Novembro: Escreve «Vivem em nós inúmeros»,
último poema datado de Ricardo Reis.
19 de
Novembro: Escreve «Há
doenças piores que as doenças», o seu último poema português datado. O verso
final reza assim: «Dá-me mais vinho, porque a vida é nada».
22 de Novembro: Escreve «The happy sun is shining»,
o seu último poema datado em inglês.
29 de
Novembro: Na
sequência de crises de febre e fortes dores abdominais, é internado no Hospital
de S. Luís dos Franceses, onde escreve as suas últimas palavras: «I know not what
tomorrow will bring».
30 de
Novembro: Morre, por
volta das vinte horas, em presença de Jaime de Andrade Neves, seu primo e
médico.
2 de
Dezembro: É enterrado
no cemitério dos Prazeres, onde Luís de Montalvor, em nome dos sobreviventes do
grupo do Orpheu, profere um breve discurso.
O CONDE D.
HENRIQUE
Todo começo é
involuntário.
Deus é o agente.
O herói a si assiste, vário
E inconsciente.
À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
«Que farei eu com esta espada?»
Ergueste-a, e fez-se.
Deus é o agente.
O herói a si assiste, vário
E inconsciente.
À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
«Que farei eu com esta espada?»
Ergueste-a, e fez-se.
22.01.1934
Fernando Pessoa, in Mensagem, com uma nota de David Mourão-Ferreira, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa 1959
O MOSTRENGO
O mostrengo
que está no fim do mar
Na noite de
breu ergueu-se a voar;
A roda da nau
voou três vezes,
Voou três
vezes a chiar,
E disse:
«Quem é que ousou entrar
Nas minhas
cavernas que não desvendo,
Meus tectos
negros do fim do mundo?»
E o homem do
leme disse, tremendo:
«El-Rei D.
João Segundo!»
«De quem são
as velas onde me roço?
De quem as
quilhas que vejo e ouço?»
Disse o
mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes
rodou imundo e grosso.
«Quem vem
poder o que só eu posso,
Que moro onde
nunca ninguém me visse
E escorro os
medos do mar sem fundo?»
E o homem do
leme tremeu, e disse:
«El-Rei D.
João Segundo!»
Três vezes do
leme as mãos ergueu,
Três vezes ao
leme as reprendeu,
E disse no
fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme
sou mais do que eu:
Sou um povo
que quer o mar que é teu;
E mais que o
mostrengo, que me a alma teme
E roda nas
trevas do fim do mundo,
Manda a
vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D.
João Segundo!»
9.09.1918
Fernando Pessoa, In Mensagem, com uma nota de David Mourão-Ferreira, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa 1959
Fernando Pessoa, In Mensagem, com uma nota de David Mourão-Ferreira, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa 1959
O DESEJADO
Onde quer
que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!
Vem, Galaaz
com pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucaristia Nova.
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucaristia Nova.
Mestre da
Paz, ergue teu gládio ungido,
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Graal!
18.01.1934
Fernando Pessoa, in Mensagem, com uma nota de David Mourão-Ferreira, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa 1959
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Graal!
18.01.1934
Fernando Pessoa, in Mensagem, com uma nota de David Mourão-Ferreira, Colecção Poesia, Edições Ática, Lisboa 1959
O ENCOBERTO
Que símbolo
fecundo
Vem na aurora
ansiosa?
Na Cruz Morta
do Mundo
A Vida, que é
a Rosa.
Que símbolo
divino
Traz o dia já
visto?
Na Cruz, que
é o Destino,
A Rosa que é
o Cristo.
Que símbolo
final
Mostra o sol
já desperto?
Na Cruz morta
e fatal
A Rosa do
Encoberto.
11.12.1934
Fernando Pessoa, in Mensagem,
com uma nota de David Mourão-Ferreira, Colecção Poesia, Edições Ática,
Lisboa 1959
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