Eric Hobsbawm sobre Gaza (2009)
31.Jul.14 -Diário
"Este depoimento do grande pensador de origem judaica Eric Hobsbawm foi
publicado na altura da ofensiva sionista de 2009. Continuaria válido face à
ofensiva de 2012. Permanece válido em 2014, perante a acção genocida
desencadeada por Israel. É importante recordá-lo, além do mais para desmontar a
histérica argumentação que pretende fazer crer que a condenação dos crimes de
Israel significa anti-semitismo. Muitos judeus são também vítimas do sionismo.
“Há já três semanas que a barbárie está exposta aos olhos da opinião
pública universal, que está vendo, julgando e, com poucas excepções, rejeitando
o terrorismo armado que Israel emprega contra meio milhão de palestinos
cercados, desde 2006, na Faixa de Gaza.
Nunca antes qualquer explicação oficial para a invasão fora tão
flagrantemente refutada por uma combinação de imagens de televisão e
aritmética; ou o papaguear dos jornais sobre “alvos militares”, pelas imagens
de crianças ensanguentadas e escolas incendiadas. 13 mortos de um lado, 1.360
do outro: não é difícil concluir quem são as vítimas. Nem é preciso dizer muito
mais sobre a horrenda operação militar de Israel contra Gaza.
Mas para nós, judeus, é efectivamente preciso dizer mais.
Numa história longa e sem segurança, de povo em diáspora, a nossa
reacção natural a quase todos os acontecimentos públicos inclui inevitavelmente
a pergunta “Isso é bom ou é mau para os judeus?” E, no caso da violência de Israel
contra Gaza, a resposta só pode ser uma: “é mau para os judeus”.
É muito evidentemente mau para os 5,5 milhões de judeus que vivem em
Israel e nos territórios ocupados de 1967, cuja segurança é gravemente ameaçada
pelas acções militares que o governo de Israel empreende em Gaza e no Líbano;
acções que demonstram a incapacidade dos militares israelitas para trabalhar a
favor dos objectivos que eles mesmos declaram, e actos que só servem para
perpetuar e intensificar o isolamento de Israel num Médio Oriente hostil.
O genocídio ou a expulsão em massa de palestinos do que resta do seu
território nativo original é nada mais nada menos do que adoptar uma agenda
prática que só pode levar à destruição do Estado de Israel. Só a convivência
negociada em termos igualitários e justos entre os dois grupos é garantia de
futuro estável.
A cada nova aventura militar de Israel, como a que se viu no Líbano e
se vê agora [2009] em Gaza, a solução torna-se mais difícil; e mais se
fortalece, em Israel, o jugo da direita; e, na Cisjordânia, o mando dos colonos
que, em primeiro lugar, nunca quiseram qualquer solução negociada.
Tal como aconteceu na guerra do Líbano em 2006, Gaza, agora, torna
ainda mais obscuro o futuro de Israel. E o futuro torna-se mais negro, também,
para os nove milhões de judeus que vivem na diáspora.
Sejamos bem claros: criticar Israel não implica qualquer
anti-semitismo, mas as acções do governo de Israel cobrem de vergonha os judeus
e, mais do que tudo, fazem renascer o anti-semitismo, em pleno século 21.
Desde 1945 os judeus, dentro e fora de Israel, beneficiaram enormemente
da má consciência de um mundo ocidental que se recusou a receber imigrados
judeus nos anos 1930, antes de ou cometer genocídio ou de não se opor a ele.
Quanta dessa má consciência, que virtualmente derrotou por 60 anos o
anti-semitismo no Ocidente e produziu uma era de ouro para a diáspora,
sobrevive hoje?
Israel em acção em Gaza não é o povo vítima da história. Não é sequer a
“valente pequena Israel” da mitologia de 1948-67, um David derrotando vários
Golias que o cercavam.
Israel está a perder a solidariedade do mundo, tão rapidamente quanto
os EUA perderam a solidariedade do mundo no governo de George W. Bush, e por
razões semelhantes: cegueira nacionalista e a megalomania do poderio bélico.
O que é bom para Israel e o que é bom para os judeus como povo são
coisas evidentemente associadas, mas até que seja encontrada uma solução justa
para a questão palestina essas duas coisas não são nem podem ser idênticas. E é
essencialmente importante que os judeus o declarem, bem claramente."Eric Hobsbawn
Original publicado em London Review of Books, vol. 31,
n. 2, 29 January 2009, pages 5-6 “Responses to the War in Gaza”
Excelente artigo, com o qual me identifico inteiramente.
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