Uma Peça do Museu Nacional de
Arte Antiga
Conversação
Pieter de
Hooch (assinado)
c. 1663-1665
Óleo sobre
tela
64 x 74,5 cm
Proveniência: Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa, 1920
Inv. 1620 Pint
" Pieter de Hooch foi um dos pioneiros do naturalismo
holandês e destacado expoente da chamada Escola de Pintura de Delft. As razões
pelas quais é mais apreciado centram-se no expressivo tratamento do espaço, no
domínio magistral da perspectiva e na luz subtil das suas obras. A pintura do
Museu de Lisboa, uma «Agradável companhia» num interior ricamente adereçado, é
um excelente exemplo do estilo de maturidade do artista revelado durante os seus
primeiros anos em Amesterdão. Neste período, os cenários e o mobiliário dos seus
interiores em pintura tornaram-se mais sumptuosos, as figuras mais bem vestidas
e os temas mais refinados. A tela de Lisboa é uma das três cenas de interior, de
composição horizontal, com o tema «Agradável companhia» (vejam-se também as
pinturas da Colecção Lehman, no Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque, e a do
Germanisches Nationalmuseum, em Nuremberga), apresentando guadamecis revestindo
as paredes e outro mobiliário luxuoso, tal como o chão e a lareira em mármore e
o tapete oriental (Oshak, Medalhão) aqui representados. Estas três telas podem
ser datadas de c.1663 ou pouco depois, com base na sua semelhança estilística
com duas pinturas datadas desse ano e pertencentes ao Cleveland Museum of Art e
ao Rijksmuseum de Amesterdão. Do mesmo modo que o grau de elegância deste grupo
de pinturas é um dado novo e parece reflectir a prosperidade de Amesterdão, ao
tempo a cidade mais rica do Norte da Europa, a importância conferida à geometria
do espaço e às gradações habilmente sugeridas da iluminação natural (note-se a
cuidada observação da luz filtrada pelas janelas, à esquerda, e o iluminado vão
da porta aberta, à direita) definem-se como características fundamentais da arte
de Hooch a partir das suas pinturas do período de Delft, c. 1658. As suas
composições com vista a espaços contíguos ou de exteriores (o que se designa,
em holandês, doorkijkje) são como que uma assinatura do pintor.
Trata-se de um tema caro à pintura holandesa. Aqui, vêem-se
dois jovens casais à mesa, acompanhados por um violinista, enquanto chega um
cavalheiro de chapéu na mão, pela porta da direita. Um dos homens levanta-se
para puxar a corda de uma sineta, provavelmente para chamar um criado. Mais
explicitamente do que na maioria das «composições» de Pieter de Hooch com o
mesmo tema, os casais trocam carícias – o homem que ri, na outra extremidade da
mesa, coloca a mão no peito da sua companheira sorridente, enquanto ela
sugestivamente introduz uma faca no seu copo de vinho. Muito se escreveu sobre
os possíveis significados da pintura. Alguns admitem que as figuras à volta da
musa personificam e aludem ao conceito dos Cinco Sentidos. Outros crêem que a
proeminente representação do Rapto de Ganimedes, sobre o fogão da sala, funciona
simbolicamente; de facto, os pintores de género holandeses recorrem, por vezes,
à inclusão de pintura dentro da pintura como espécie de comentário ao próprio
tema principal da representação. Filho de um rei troiano, o jovem e belo
Ganimedes foi raptado por Zeus metamorfoseado em águia, como oferenda para os
Deuses. Alguns comentadores do século XVII salientaram as alusões (homo)
eróticas desta história, outros consideraram Ganimedes como um símbolo de
Aquário, enquanto que os neoplatónicos interpretaram a narrativa como ato de
elevação da pura alma humana até Deus, e daí a existência, na pintura holandesa,
de retratos de crianças já falecidas enquanto Ganimedes. Karel van Mander, no
seu importante comentário às Metamorfoses de Ovídio (Wileggingh op den
Metamorphosis Pub. Ovidij Nasonis em Het Schildrbock (1603-1604, p.87) escreveu:
«Ganimedes é tido como Alma Humana, aquele que está menos manchado pelas
impurezas corporais dos desejos perversos. Foi escolhido por Deus e levado até
Ele». Com efeito, esta pintura dentro da pintura baseia-se numa gravura criada a
partir de uma composição perdida de Karel van Mander III. Assim, é provável que
este pormenor vise intensificar ou, pelo contrário, se oponha simbolicamente à
alegria das figuras em primeiro plano. Embora não tenhamos certezas acerca das
intenções de Hook relativamente à sua inclusão, a imagem mitológica não é
certamente um pormenor inocente ou seleccionado ao acaso; o cachorro spaniel, no
canto inferior direito da pintura, que mais parece ladrar para o quadro por cima
do fogão de sala que para o recém-chegado, assemelha-se aos frequentemente
representados noutras imagens de Ganimedes, indiciando que Pieter de Hooch tomou
em consideração tais representações do episódio. Desta forma, o artista insinua
habilidosamente a história de Ganimedes na «verdadeira» zona pictórica onde se
inscrevem os foliões."CNC
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