sexta-feira, 12 de setembro de 2014

«País padrasto, Pátria madrasta.»


A mistificação democrática
Por  Baptista-Bastos
“Um dos grandes projectos da República foi a instrução. Uma das prioridades deste Governo é a destruição da escola e a liquidação do ensino, através de todos os meios. Os professores são enxovalhados, e seis mil dentre eles não encontram ocupação. Fecham escolas sob a inacreditável afirmação de que os alunos são escassos, e há miúdos que são obrigados a percorrer dezenas e dezenas de quilómetros a fim de receber as primeiras letras. Tribunais fecham, e os técnicos afirmam que o facto acentua a desertificação do País e a sua decadência social e moral. Estas, as terríveis notícias das últimas horas, aplicadas a um povo que parece ter-se despojado das mais elementares noções de integridade.
João de Barros (1496-1570), o das Décadas, o linguista que escreveu a primeira Gramática da Língua Portuguesa, o sábio que morreu na miséria, como o seu contemporâneo Luís de Camões [1524(?)-1580], perseguido pela inveja e pela ignorância, escreveu um desabafo que define Portugal e as suas misérias: «País padrasto, Pátria madrasta.» A nossa história está repleta destas misérias sociais, políticas e éticas. Sophia, sobre Camões: «Vais ao Paço/pedir a tença/ e pedem-te paciência.» Quem manda odeia quem pensa, desdenha de quem cria, acossa o talento e rechina do génio.
O que está a acontecer, na nossa pobre terra, é a repetição das deformidades que nos têm marcado, desde a nascença. Agora, porém, o travo é muito mais amargo porque perpetrado com estudada ciência, e outrora apenas aplicado pela intuição, embora malevolamente. Os do mando financeiro desmoronam-se, na aparência, porém continuam a dar instruções, através de porta-vozes dissimulados. Só não vê quem não quer saber, só não escreve (nos jornais) quem tem a palavra sequestrada pelo estipêndio. O "sistema" garante a liberdade ao prevaricador, desde que este possua três milhões de euros.
Continuamos sem perceber o que é um banco "bom" e um banco "mau", como permanecemos sem conhecimento de onde provêm os milhões de milhões que vão colmatar os buracos do BES.
Sei muito bem que a democracia é um negócio entre poderes que fingem digladiar-se, e os enganos em que vivemos fazem parte destes jogos indecentes admitidos por todos aqueles que se sentam à mesa do Orçamento, ou por quem os admite com negligência culposa. A democracia é, acaso, o melhor dos regimes porque assim têm querido que pensemos. Um livro que, ocasionalmente, tenho citado, Pourquoi nous n"aimons pas la démocracia, de Myriam Révault d"Allonnes, é capaz de explicar a natureza do regime e as constantes das nossas decepções. Afinal, estamos a atribuir responsabilidades do caos - a quem?, e a quê? A Europa "democrática" é-o, de facto, ou trata-se de outro embuste e de outra mistificação? “ Baptista Bastos em Crónica publicada  no DN de 3 de Setembro de 2014

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