"Não
me compreendo nem compreendo os outros. Não sei quem sou e vou morrer. Tudo me
parece inútil e agarro-me com desespero a um fio de vida, como um náufrago a um
pedaço de tábua.
Nem
sei o que é a vida. Chamo vida ao espanto. Chamo vida a esta saudade, a esta
dor; chamo vida e morte a este cataclismo. É a imensidade e um nada que me
absorve; é uma queda imensa e infinita, onde disponho de um único momento.
Talvez
o mundo não exista, talvez tudo no mundo sejam expressões da minha própria
alma. Faço parte de uma coisa dolorosa, que totalmente desconheço, e que tem
nervos ligados aos meus nervos, dor ligada à minha dor, consciência ligada à
minha consciência.
Estou
até convencido que nenhum destes seres existe. Este fel é o meu fel, este sonho
grotesco o meu sonho. Estou convencido que tudo isto são apenas expressões de
dor – e mais nada.
Nós
não vemos a vida – vemos um instante da vida. Atrás de nós a vida é infinita,
adiante de nós a vida é infinita. A primavera está aqui, mas atrás deste ramo
em flor houve camadas de primaveras de oiro, imensas primaveras extasiadas, e
flores desmedidas por trás desta flor minúscula. O tempo não existe. O que eu
chamo a vida é um elo, e o que aí vem um tropel, um sonho, desmedido que há-de
realizar-se. E nenhum grito é inútil, para que o sonho vivo ande pelo seu pé. A
alma que vai desesperada à procura de Deus, que erra no universo, ensanguentada
e dorida, a cada grito se aproxima de Deus. Lá vamos todos a Deus, os vivos e
os mortos.
O
mundo é um grito. Onde encontrar a harmonia e a calma neste turbilhão infinito
e perpétuo, neste movimento atroz? O mundo é um sonho sem um segundo de paz. A
dor gera dor num desespero sem limites.
Eu
não sou nada. Sou o minuto e a eternidade. Sou os mortos. Não me desligo disto
– nem do crime, nem da pedra, nem da voragem. Sou o espanto aos gritos.
O
sonho completo é o universo realizado.
Cada
vez fujo mais de olhar para dentro de mim mesmo. Sinto-me nas mãos de uma coisa
desconforme. Sinto-me nas mãos de uma coisa imensa e cega – de uma tempestade
viva.
Não
só a sensibilidade é universal – a inteligência é exterior e universal.
O
universo é uma vibração. A vida é uma vibração na vibração.
Toda
a teoria mecânica do universo é absurda. Daqui a alguns anos todos os sistemas
serão ridículos – até o sistema planetário.“ Raul Brandão, in
“Humus”, Círculo de Leitores
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