" Pousou o gorro cuidadosamente a seu lado, e então bebeu consoladamente a largos sorvos. A água estava muito fria, bem mais do que seria de esperar ali no vale, em pleno Verão, e deu-lhe um arrepio que todo o percorreu. Mas, tão transparente, tomaria nela um banho rápido, para refrescar-se, lavar-se apenas. E, sentado agora no chão, começou a tirar as botas. O cavalo afastara-se, procurando aqui e ali uma ervinha mais gostosa. Descalço, esfregou os pés devagar, remexendo os dedos num gesto infantil de como contá-los. Depois, levantou-se, desapertou o largo cinturão pregueado de ouro, e pousou-o ao lado das botas e do gorro. A longa túnica pendeu solta. Abaixando-se , segurou-lhe as fímbrias e puxou-a para a cabeça. Os cabelos louros e compridos, empastados de suor, desgrenharam-se numa desordem mole, que ajeitou com os dedos. Antes de desatar os cordões da pequena cueca que vestia, olhou em volta. Não havia sinal de gente. Ficou então completamente nu. E antes de entrar para a água, apalpou-se como quem se exibe, num ar de desafio. Ouviu de leve o riso casquinado. Arqueando as sobrancelhas, numa expressão de expectativa que nunca sentira, recuou mais para a fina erva, e alongou-se no chão languidamente. Carícias prolongadas que leves lhe corriam pela pele, beijos sussurrados que o mordiam pelo corpo adiante, mãos que se obstinavam, durezas que se encostavam...Num gemido ansioso abraçou-se ao espaço, voltou-se e rolou, e entregou-se ao Demónio, que fez dele o que quis, e a quem ele fez quanto ele desejou; e arquejava insaciado dos prazeres que não sentira nunca.Quando aquilo acabou, levantou-se, sacudiu-se, passou as mãos pelo corpo sujo, e sentiu a volúpia de estar sujo assim. Enfiou a túnica, olhando com displicência para o rio, e voltou para o cavalo. De um salto , montou, e seguiu a trote pela margem abaixo. Numa curva do rio, por trás de um cabeço, um castelo apareceu, de pedra muito branca. Que castelo seria?" Jorge de Sena, in " O físico prodigioso", Edições ASA
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