«A nossa magna lingua portugueza
De nobres sons é um thesouro.» Fernando Pessoa
Os media difundiram, ontem, a morte de Vasco Graça Moura, aos 72 anos. Repassaram, então, muitos depoimentos de escritores, comentadores, anónimos e das figuras cimeiras do Estado. Vasco Graça Moura construiu um nome alicerçado no grande amor que tinha pela Língua Portuguesa. Partilho com ele esse amor e foi nele que vi o melhor opositor à maior aberração que contra ela cometeram: O Acordo Ortográfico.
Todos têm conhecimento da diversidade e profundidade da obra deste poeta. Praticou todos os géneros literários, mas dizia-se um poeta.
Li belas crónicas e excelentes ensaios de Vasco Graça Moura. Era um tradutor admirável. Incansável no pormenor e fiel no respeito pela integridade e sonoridade poéticas.
Não possuo a justa quantidade de obras que Vasco Graça Moura merece. As últimas que adquiri foram "Poesia Reunida" e " a vista desarmada , o tempo largo", uma Antologia de vários poetas em homenagem a Vasco Graça Moura, com organização de Maria do Céu Fialho e Teresa Carvalho. No entanto, li-o muito. Mas quero recordá-lo naquilo em que evidencia uma excepcional capacidade de discernimento e de exímio combatente: a defesa da Língua Portuguesa.
Transcrevo duas Crónicas:uma referente aos novos Programas de Português do Ensino Secundário e outra relativa ao Acordo Ortográfico, retirada do site que foi criado por ele e outros escritores , Em Defesa da
Língua Portuguesa Contra o Acordo Ortográfico,Blog oficial da Petição em
Defesa da Língua Portuguesa, Contra o Acordo Ortográfico.
Ao Vasco Graça Moura ficarei sempre devedora da grandeza que defendeu para a nossa Língua. Um eterno agradecimento.
O ensino do Português
por VASCO GRAÇA MOURA
“O
Ministério da Educação apresentou para discussão pública o "Programa e
Metas Curriculares de Português" do ensino secundário.
Trata-se
de um passo de gigante no ensino da língua portuguesa nos 10.º, 11.º e 12.º
anos.
É
claro que a aversão dos linguistas pela literatura se fez logo escutar. A
presidente da Associação de Professores de Português considera realmente grave
"esta absurda especialização na literatura, que retira tempo essencial à
prática da escrita e da oralidade e que, provocando o aumento do insucesso, vai
resultar a seguir no afastamento de alunos". Não sei se foi esta a mesma
pessoa que ouvi na rádio (e mal queria acreditar no que estava a ouvir...), a
vociferar contra a heresia imperdoável de se ter de escolher entre a Farsa de
Inês Pereira e o Auto da Alma, de Gil Vicente, ou de se passar a dar Alexandre
Herculano e Almeida Garrett, mas fiquei com a ideia de que sim...
Vale
a pena ler o documento do Ministério da Educação, muito bem fundamentado e com
objectivos claramente enunciados. Vê-se que não retira nenhum "tempo
essencial à prática da escrita e da oralidade", antes adopta um modelo de
complexidade crescente, articulando em progressão os domínios da oralidade, da
leitura e da escrita e defende, com toda a razão, que o texto literário se
torna "mobilizador de outros critérios, igualmente centrais": o valor
histórico-cultural e o valor patrimonial associados ao estudo do Português,
propondo (e resumo muito) o trabalho da relação com o texto "através de
uma exigência de complexidade textual", salientando-se a importância desta
na "aquisição e treino da linguagem conceptual".
Em
suma, valoriza-se a importância da literatura no ensino do Português,
salienta-se "a dimensão prospectiva e o potencial de criação que significa
a leitura dos clássicos" e entende-se o texto literário como uma realidade
em que "convergem todas as hipóteses discursivas de realização da
língua". Nesta estratégia, privilegia-se "o contacto directo com os
textos e a construção de leituras fundamentadas" e considera-se como
estratégico o domínio da leitura. Trata-se, como também ali se lê, de
"escrever para aprender e escrever para pensar, na sua articulação com o
ler para escrever".
Recomenda-se
a leitura das páginas introdutórias para se ver a importância desta proposta, e
para se participar numa discussão crítica dos conteúdos programáticos que vêm a
seguir e que reabilitam um mínimo dos mínimos do cânone da nossa literatura.
Não
sou professor de Português, mas sim um escritor que se preocupa com o futuro da
sua língua e não me faz a mínima impressão que professores e alunos tenham um
acréscimo de trabalho na matéria. Aliás, só pensar que muitos professores vão
ler, provavelmente pela primeira vez, alguns dos textos indicados, enche--me de
gáudio e também de expectativa: pode ser que o ensino da nossa língua comece
finalmente a melhorar, pese embora à Dr.ª Edviges Ferreira que talvez tenha também
de se decidir a lê-los...
Passarei,
de seguida, a uma breve análise crítica daquilo que, para mim, são algumas
falhas que poderiam ser colmatadas por via do reequilíbrio do número e extensão
dos textos a seleccionar.
Penso
que devia haver, no mínimo, duas páginas de Bernardim Ribeiro, o princípio da
Menina e Moça e a morte do rouxinol, um ou dois poemas do Cancioneiro de
Resende, entre eles a célebre "Cantiga partindo-se", um soneto de Sá
de Miranda ("O sol é grande..."). Do Camões lírico, não compreendo
que se omita a referência às redondilhas "Descalça vai para a fonte",
nem a, pelo menos, os primeiros 45 versos da "Sôbolos rios". Valeria
a pena considerar uma passagem estilisticamente extraordinária como a morte do
lobo, do Eusébio Macário, de Camilo ("cena épica e límpida" como lhe chamou
Torga no Diário), bem como um ou dois capítulos de Júlio Dinis. Choca-me a
falta de António Nobre. Dispensaria o conto de Mário de Sá-Carneiro, que não é
grande coisa, e bem poderia ser trocado por um ou dois dos grandes poemas dele.
Incluiria o poema "O Amigo" de Carlos Queiroz, talvez o tributo mais
comovente à memória de Pessoa. Acrescentaria páginas do Torga de A Criação do
Mundo e do Orfeu Rebelde, algum Casais Monteiro e não poderia ignorar o Vitorino
Nemésio poeta de O Bicho Harmonioso e ficcionista de Mau Tempo no Canal.
Revendo as indicações de selecção e leitura, não seria difícil, creio, fazer
estes ajustamentos.
Em
si mesmo, este programa de Português para o ensino secundário é já parte de um
guião fundamental para uma verdadeira "reforma do Estado". Vasco
Graça Moura , DN,13/11/13
Por Vasco Graça Moura
"Alguns políticos garantem a tomada de medidas ditas eficazes
contra a crise e fingem-se convencidos da chegada próxima de melhores dias. Mas
não conseguem afastar um pressentimento de iminência de bancarrota geral e
cessação de pagamentos nos seus países, nem a perspectiva de aumento
violentíssimo da carga fiscal e de redução de salários na casa dos 20% ou 30%
ou, em alternativa, de saída do euro e subida vertiginosa das taxas de juro e
do custo de vida, o que viria mais ou menos a dar ao mesmo.
(…)É neste quadro negativo de um país que vai a pique,
completamente desarmado para fazer face à crise por obra e graça das sucessivas
batotas do seu Governo, que o ministro da Cultura vem falar na aplicação
efectiva do Acordo Ortográfico, o mais tardar em 1 de Janeiro de 2010, ou mesmo
antes.
Não nos detenhamos hoje nas enormidades e aberrações intrínsecas da peça. Em Março de 2008, o Governo previa um prazo de seis anos para tal aplicação (art.º 2.º da Proposta de Resolução 71/X/3) após o depósito do instrumento de ratificação do segundo protocolo modificativo!... Passemos. Não curemos sequer da inexistência do vocabulário ortográfico comum, prevista desde a primeira versão do Acordo como devendo anteceder a sua entrada em vigor.
No tsunami mundial, uma das principais, se não a principal, janelas de oportunidade que restam a um país falido em todos os azimutes como o nosso é a intensificação das relações de cooperação, de investimento, de negócios e de parcerias empresariais com as Repúblicas Populares de Angola e de Moçambique, muito em especial com a primeira.
Nem Angola nem Moçambique ratificaram o Acordo Ortográfico. Ele não se aplica nesses países. Mas é este o momento que o ministro da Cultura escolhe para promover uma aplicação que só vai acarretar as maiores confusões e dificuldades de entendimento e comunicação aos empresários portugueses, aos seus congéneres africanos (note-se: a todos, e não apenas aos editores), bem como às autoridades políticas e administrativas, às escolas e aos cidadãos em geral dos países em questão!
Já era um puro dislate falar-se, como o ministro faz, em evitar a "fragmentação" da língua.
Mas ao impor-se essa fragmentação, ao querer-se oficializar a toda a pressa o fosso entre as grafias de Portugal, de Angola e de Moçambique, o dislate transforma-se em perversão e a perversão em encravamento deliberado de um futuro possível.
Porque há-de o ministro da Cultura candidatar-se a gato-pingado do nosso lindo enterro e a cangalheiro oficial da língua portuguesa?"
Vasco Graça Moura | Escritor | in Diário de Notícias | 11/02/2009
Não nos detenhamos hoje nas enormidades e aberrações intrínsecas da peça. Em Março de 2008, o Governo previa um prazo de seis anos para tal aplicação (art.º 2.º da Proposta de Resolução 71/X/3) após o depósito do instrumento de ratificação do segundo protocolo modificativo!... Passemos. Não curemos sequer da inexistência do vocabulário ortográfico comum, prevista desde a primeira versão do Acordo como devendo anteceder a sua entrada em vigor.
No tsunami mundial, uma das principais, se não a principal, janelas de oportunidade que restam a um país falido em todos os azimutes como o nosso é a intensificação das relações de cooperação, de investimento, de negócios e de parcerias empresariais com as Repúblicas Populares de Angola e de Moçambique, muito em especial com a primeira.
Nem Angola nem Moçambique ratificaram o Acordo Ortográfico. Ele não se aplica nesses países. Mas é este o momento que o ministro da Cultura escolhe para promover uma aplicação que só vai acarretar as maiores confusões e dificuldades de entendimento e comunicação aos empresários portugueses, aos seus congéneres africanos (note-se: a todos, e não apenas aos editores), bem como às autoridades políticas e administrativas, às escolas e aos cidadãos em geral dos países em questão!
Já era um puro dislate falar-se, como o ministro faz, em evitar a "fragmentação" da língua.
Mas ao impor-se essa fragmentação, ao querer-se oficializar a toda a pressa o fosso entre as grafias de Portugal, de Angola e de Moçambique, o dislate transforma-se em perversão e a perversão em encravamento deliberado de um futuro possível.
Porque há-de o ministro da Cultura candidatar-se a gato-pingado do nosso lindo enterro e a cangalheiro oficial da língua portuguesa?"
Vasco Graça Moura | Escritor | in Diário de Notícias | 11/02/2009
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