O Partido do 25 de Abril
Por Boaventura de Sousa Santos
« Suspeito que tarde ou cedo vai surgir em Portugal o
partido do homem e da mulher comuns. Será a resposta política aos que,
aproveitando um momento de debilidade, destruíram em três anos o que
construímos durante 40.
Escrevo esta crónica da Índia, onde tenho estado nas últimas três semanas. Na
década passada, a Índia foi avassalada pelo mesmo modelo de desenvolvimento
neoliberal que a direita europeia e seus agentes locais estão a impor no Sul da
Europa. As situações são dificilmente comparáveis mas têm três características
comuns: concentração da riqueza, degradação das políticas sociais (saúde e
educação), corrupção política sistémica, envolvendo todos os principais
partidos envolvidos na governação e sectores da administração pública.
A frustração dos cidadãos perante a venalidade da classe
política levou um velho activista neo-gandhiano, Anna Hazare, a organizar em
2011 um movimento de luta contra a corrupção que ganhou grande popularidade e
transformou as greves de fome do seu líder num acontecimento nacional e até
internacional. Em 2013, um vasto grupo de adeptos decidiu transformar o
movimento em partido, a que chamaram o Partido do Homem Comum (Aam Aadmi Party,
AAP).
O partido surgiu sem grandes bases programáticas, para além
da luta contra a corrupção, mas com uma forte mensagem ética: reduzir os
salários dos políticos eleitos, proibir a renovação de mandatos, assentar o
trabalho militante em voluntários e não em funcionários, lutar contra as
parcerias público-privadas em nome do interesse público, erradicar a praga dos
consultores através dos quais interesses privados se transformam em públicos,
promover a democracia participativa como modo de neutralizar a corrupção dos
dirigentes políticos. Dada esta base ética, o partido recusou-se a ser
classificado como de esquerda ou de direita, dando voz ao sentimento popular de
que, uma vez no poder, os dois grandes partidos de governo pouco se distinguem.
Em Dezembro passado, o partido concorreu às eleições municipais
de Nova Delhi e, para surpresa dos próprios militantes, foi o segundo partido
mais votado e o único capaz de formar governo. O governo foi uma lufada de ar
fresco, e já em Fevereiro o AAP era o centro de todas as conversas. Consistente
com o seu magro programa, o partido propôs duas leis, uma contra a corrupção e
outra instituindo o orçamento participativo no governo da cidade, e exigiu a
redução do preço da energia eléctrica, considerado um caso paradigmático de
corrupção política. Como era um governo minoritário, dependia dos aliados na
assembleia municipal. Quando o apoio lhe foi negado, demitiu-se em vez de fazer
cedências. Esteve 49 dias no poder e a sua coerência fez com que visse aumentar
o número de adeptos depois da demissão.
Perplexo, perguntei a um colega e amigo, que durante 42 anos
fora militante do Partido Comunista da Índia e durante 20 anos membro do seu
comité central, o que o levara a aderir ao AAP. "Fomos vítimas do veneno
com que liquidámos os nossos melhores, favorecendo uma burocracia cujo objectivo
era manter-se no poder a qualquer preço. É tempo de começar de novo e como
militante-voluntário de base", respondeu-me. Outro colega e amigo,
socialista e votante fiel do Partido do Congresso (o centro-esquerda indiano),
disse-me: "Aderi ao AAP quando o vi a enfrentar Mukesh Ambani, o homem
mais rico da Ásia, cujo poder de fixar as tarifas de electricidade é tão grande
quanto o de nomear e demitir ministros, incluindo os do meu partido".»
Boaventura de Sousa Santos, (Ensaio publicado na VISÃO 1096,
de 06 de Março), 12:35, Sexta feira, 7 de Março de 2014
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