Manoel de Andrade, poeta brasileiro, foi uma das vítimas da Ditadura no Brasil. Exilado , percorreu cerca de dezassete países da América Latina, apregoando os seu ideais libertários e recitando os seus poemas. Desse tempo, sai , agora, um registo de um longo rememorar que nos transporta à época onde a utopia iluminava os trilhos da esperança num novo Mundo.
Para Manoel de Andrade , o livro de Memórias,« " NOS RASTROS DA UTOPIA" é, acima de tudo, a longa crónica de um poeta que sonhou com o impossível, e cruzou tantas fronteiras, acreditando que pudesse mudar o mundo com seus versos. É também um convite a viajar por caminhos e por um tempo fascinantes, em que o sonho e a esperança comandavam os rumos da História. Um tempo em que se repartia a vocação solidária de um mundo melhor. Eis porque este livro é o quinhão da utopia que me resta.»
Acedendo ao convite do poeta, inicia-se a viagem com a transcrição de um pequeno excerto de " NOS RASTROS DA UTOPIA", extraído de um dos Capítulos dedicado ao México:
Um recital e
muitos contactos
" Voltei
naquela mesma tarde e uma semana depois Julião foi à Cidade do México para
abrir meu recital. Só então me dei conta do prestígio e da grande rede de
amigos mexicanos e exilados latino-americanos que ele tinha na capital. O
auditório do Instituto Mexicano-Cubano não cabiam mais que 70 pessoas e por
isso estava lotado. Ali havia
cubanos, exilados gualtematecos, um grupo de jovens mexicanos porta-vozes dos
chicanos, um grupo de exilados nicaraguenses e no meio de tantos
revolucionários, alguns poetas e intelectuais. O meu anfitrião Alfredo Sancho Colombari também compareceu levando
convidados e, entre eles, um dirigente de teatro chamado Mariano Leyva
Domínguez. O acto começou com a saudação que me fez o director da instituição,
seguido pelas palavras poéticas e comoventes de Julião, falando da dramática
situação política do Brasil, apresentando-me como um compatriota que, como ele,
trazia o coração marcado pela dor e a nostalgia da pátria distante e que
transformava em poesia a trajectória do auto-exílio, numa proposta de luta e
esperança através da América. Poucas vezes me emocionei tanto, fosse pela honra
recebida daquele grande combatente, fosse por saber que naquela assembleia
estavam presentes companheiros marcados pelas mais legítimas cicatrizes de
lutas. Depois da leitura dos meus poemas, coloquei-me à disposição do auditório
para perguntas, mas um nicaraguense levantou-se e digirindo-se a todos sugeriu que
eu falasse sobre os movimentos revolucionários nos países que já tinha passado.
Essa conversa durou quase uma hora e depois dos abraços solidários surgiram
dois convites: o primeiro, dos nicaraguenses,
para ir a Tampico, no norte do País, participar como poeta das comemorações do
37o aniversário de morte de
Augusto Cesar Sandino e o segundo, na pessoa de Mariano Leyva Domínguez,
convidando-me para ir à Califórnia também contar sobre a América Latina para os
chicanos.
Meu recital no Instituto Mexicano-Cubano mudou todos os meus planos e meu projecto de esperar o término das férias para programar meus recitais nas
universidades do México. Nos dias que se
seguiram entrei em contacto com alguns jovens do grupo da Nicarágua para
integrar-me nas comemorações da morte de Sandino e planejar minha ida a
Tampico. Um deles era o estudante de direito José Ovidio Puente. Havia também o
sociólogo guatemalteco Edelberto Torres Rivas, filho de um escritor e
revolucionário nicaraguense. Embora já não me lembre dos nomes de tantos contactos pessoais que tive com nicaraguenses naqueles dias, creio que foram eles
os principais organizadores das homenagens a Sandino." Manoel de Andrade , in " Nos rastros da Utopia", Editora Escrituras, S. Paulo, Março 2014
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