Quando o
cabelo cai e os olhos se turvam
quando
o cabelo cai e os olhos se turvam. E
as
coxas esquecem (quando os relógios sussurram
e a
noite grita) Quando as mentes
se
enrugam e os corações se tornam mais frágeis a cada
Instante
(quando numa manhã a Memória se levanta,
com
desajeitados e murchos dedos
vertendo
a cor da juventude e o que foi
num
copo sujo) Poções para as Indisposições
(uma
receita contra o Riso a Virgindade a Morte)
então
querida o
modo
como as árvores se Fazem em folhas
as
Nuvens abertas tomam o sol as montanhas
permanecem
E os oceanos Não dormem não interessa
nada;
então (então as únicas mãos por assim dizer são
aquelas
sempre que rastejam devagar sobre qualquer
rosto
numerado capaz do maior inexpressivo olhar do
menor
sisudo sorriso
ou
do que quer que seja que as ervas sintam e os peixes
pensem)
E.E. Cummings, in “Livro de Poemas”, trad. Cecília Rego Pinheiro, Assírio &
Alvim
1999
Mania do
suicídio
Às
vezes tenho desejos
de
me aproximar serenamente
da
linha dos eléctricos
e me
estender sobre o asfalto
com
a garganta pousada no carril polido.
Estamos
cansados
e
inquietam-nos trinta e um
problemas
desencontrados.
Não
tenho coragem de pedir emprestados
os
duzentos escudos
e
suportar o peso de todas as outras cangas.
Também
não quero morrer
definitivamente.
Só
queria estar morto até que isto tudo
passasse.
Morrer
periodicamente.
Acabarei
por pedir os duzentos escudos
e
suportar todas as cangas.
De
resto, na minha terra
não
há eléctricos.
Rui Knopfli, in “Memória consentida : 20 anos de poesia 1959-1979”, Imp.
Nac. , Casa da Moeda,1982
Sóis
desfiados
Sóis desfiados
sobre o deserto cinza-negro.
Um pensamento alto-
como-árvore
capta o tom da luz: ainda
há canções para cantar do outro lado
dos homens.
Evolução
Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo...
Hoje sou homem – e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade...
Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.
QUENTAL, Antero de.”Sonetos”, Edição
organizada por Antonio Sérgio. Lisboa: Sá da Costa, 1963.Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo...
Hoje sou homem – e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade...
Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.
Sem comentários:
Enviar um comentário