quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Manoel de Andrade

"Eu canto para todos os homens
contudo, neste tempo,
eu canto para os homens sem face...
aqueles que se perdem na multidão das grandes cidades,
e que amadurecem, a cada dia,
os punhos para a luta."  Manoel de Andrade, in " Poemas para a Liberdade",ed. escrituras

MANOEL DE ANDRADE É UM POETA DE VERDADE
                                                                        Por  Martha Urquidi Anaya
A indelével imagem da vida e o território mágico da alma

"Em 1969 chegou à Bolívia, fugindo da ditadura que imperava em seu país, um jovem poeta e trovador brasileiro chamado Manoel de Andrade, que se deu a conhecer com seus versos em foros universitários, culturais e sindicais bolivianos, mediante recitais e conferências. Participou, então, do Festival de Poesia Internacional que se realizava em Cochabamba. Chamou a atenção pela força de sua poesia lutadora e apaixonada; eram seus “Poemas para la Libertad”, o primeiro testemunho de sua criação literária, como reação ao abuso dos poderosos contra os oprimidos. Moderno jogral, tinha somente como instrumento de luta revolucionária suas palavras ardentes, sua voz contestadora.
Aqui foi muito bem acolhido entre a juventude estudantil e as classes trabalhadoras, as que haviam alcançado um nível de consciência política e social. O poeta nacional Jorge Suárez, reconhecido já como um alto expoente da literatura do país, teve oportunidade de conhecer sua principal obra poética e considerou valiosa sua publicação em um livro, que enriqueceu com um elogioso prólogo, no qual diz  textualmente, de maneira profética: “Andrade será uma ponte espiritual desta América das neves e das rochas e o imenso Brasil que percebemos através das neblinas dos Andes, para um tempo novo em que a revolução latino-americana apague suas fronteiras”, anunciando a futura importância de sua poesia. A obra de Manoel de Andrade foi editada em 1970, pela Universidad Mayor de San Andrés de La Paz.
Hoje sopram novos tempos de liberdade e democracia por toda a América.
Algo semelhante fez Suárez com a obra de Edmundo Camargo, poeta falecido prematuramente aos 27 anos, cuja obra salvou do esquecimento, contribuindo para sua publicação póstuma e um significativo prólogo em que anuncia Edmundo Camargo como um grande poeta surrealista, dentro da literatura latino-americana. Sua bem- sucedida reedição, depois de trinta anos, assim o confirma.
Tanto o poeta boliviano Camargo como Manoel de Andrade, o brasileiro, se mostram hoje como dois grandes poetas de nosso continente. Não estava equivocado Jorge Suárez ao assim anunciá-los.
A obra de Manoel de Andrade “Poemas para a Liberdade”, escrita em espanhol e publicada inicialmente na Bolívia em 1970, teve mais três edições – no Peru, na Colômbia e no Equador; mas, curiosamente, nenhuma no idioma natal do autor. Atualmente Manoel de Andrade tem o propósito de fazê-lo, agora que reaparece,   depois   de   várias   décadas  de   silêncio   literário,com a apresentação de sua nova obra “Cantares”, recentemente dada a conhecer no Brasil, com grande ressonância na mídia e na crítica especializada.
Queremos recordar a singular aventura literária que realizou Manoel de Andrade, há trinta anos, quando o continente estava coberto por regimes ditatoriais, munido somente de seus versos revolucionários e sua paixão literária, percorrendo quinze países latino-americanos, em meio das maiores ameaças e perigos, (vindos de uma inteligência política que atuava, em nível internacional, a favor das ditaduras) promovendo debates, clamando por justiça social, chamando à resistência e à luta, sempre perseguido e até encarcerado, finalmente subiu, exilado no México, onde tive novamente oportunidade de encontrá-lo. Em 1972, voltou ao Brasil, refugiando-se  numa anistia política que o obrigou a se retirar à vida privada e familiar, e ao desempenho de sua profissão de advogado. Hoje, depois de uma “abstinência poética e literária”, como ele a chama, volta à literatura com “Cantares”, sua última produção, que chegou a nossas mãos e nos permitimos comentar brevemente. Pudemos comprovar que permanece intacto o gênio poético em Manoel de Andrade.
Só a temática é distinta; além das belas reminiscências de sua infância – “indelével imagem da vida, o território mágico da alma”, como afirma –, de seu sonho eterno de marinheiro frustrado, pois nunca o foi, e  somente viajou por mar na “nave da imaginação”, da qual falava o poeta cubano Lezama Lima,  apresenta-nos novas visões do presente e do futuro, do homem e do mundo, com bandeiras de luta para este tempo, como as da defesa da vida e do Planeta, hoje seriamente ameaçados.  Preocupa-se com as mudanças climáticas, os danos ecológicos irreversíveis. ”Que sabor terão os frutos da próxima estação”?, se pergunta. Pergunta-se também até onde nos leva esta cultura globalizada e cibernética que nos obriga a viver cada vez mais em um mundo virtual e desumanizado, sem substância, no qual predominam a falta de valores morais e o hedonismo e nos obriga a presenciar ”o escândalo nosso de cada dia”.
Seus poemas dedicados ao mar e sua descrição, como testemunho e síntese da atividade humana através da história, são de grande achado, emulando ao célebre Barco Ébrio do francês Rimbaud. O mar resumo do planeta Terra, que mais que terra é água e que ele pinta como uma pequena lágrima flutuando no universo:“apenas um úmido ponto no infinito”

um aquoso respiro
um minúsculo aquário
um minuto ondulante na eternidade
há bilhões de anos
uma gota salgada suspensa no universo.

Sua poesia oscila entre o clássico e o vanguardista, mas é uma voz singular, única, que se fez mais universal e definitiva com o tempo. Há nela um conteúdo filosófico e ideológico profundo, porém sempre no âmbito mágico de uma poesia de alta qualidade estética e humana. Manoel de Andrade segue sendo ontem e hoje um poeta de verdade."  Martha Urquidi Anaya, em artigo publicado  no jornal Opinión  de Cochabamba,  em 12 de Maio de 2008.
O texto constou também da Fortuna Crítica do livro  "Poemas para a liberdade", publicado no Brasil,  em edição bilíngue, no ano de  2009.
Manoel de Andrade, poeta brasileiro, acabou de  escrever as memórias desse tempo de exílio. Nessa obra, descreve a sua comprometida diáspora libertária ao longo de 16 países da América Latina, na década de 70, um continente , então,  imerso na penumbra da ditadura. A obra ,que já está no prelo, sairá sob o título:  
" NOS RASTROS DA UTOPIA, Uma memória crítica da América Latina nos anos 70".

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