Por Anselmo Borges
"Todos somos animais políticos e, consequentemente, responsáveis pela condução
da pólis. Estou de acordo com o Papa Francisco, com a observação de que, embora
ele se refira só aos cristãos, o aviso é para todos: "Envolver-se na política é
uma obrigação para o cristão. Enquanto cristãos não podemos lavar as mãos como
Pilatos. Temos de nos meter na política, porque a política é uma das formas mais
altas da caridade, pois procura o bem comum. Os leigos cristãos devem trabalhar
na política. A política está muito suja, mas eu pergunto: "Está suja porquê?"
Porque os cristãos não se meteram nela com espírito evangélico? É uma pergunta
que eu faço. É fácil dizer que a culpa é dos outros... Mas eu o que é que faço?
Isto é um dever! Trabalhar para o bem comum é um dever para um cristão."
Tenho escrito aqui permanentemente que considero a actividade política -
também no sentido mais estrito da governação - uma actividade nobre, das mais
nobres. Quando isso acontece no quadro do trabalho para o bem comum, antepondo o
interesse comum aos interesses próprios e dos partidos.
Mas, quando observo a corrida vertiginosa e tão interessada de tantos a
candidatos para cargos políticos em disputa, tenho de confessar, sinceramente,
que não acredito que a maior parte o faça generosamente, por amor à causa
pública, ao serviço do bem comum. Que interesses, que vantagens, que compadrios,
que cumplicidades, que privilégios, que benesses, que vaidades os movem?
O que é facto é que uma enorme maioria dos portugueses está desiludida com os
políticos. Presidência da República, Assembleia da República, Governo, Oposição,
Partidos, Tribunais encontram a tristeza e a desconfiança dos portugueses. Há a
percepção vaga de que Governo e Oposição ocultam sempre qualquer coisa.
Tudo isto vem de muito longe. Desde há muito tempo que o privilégio e a
irresponsabilidade se apoderaram do comando. Os mais atentos e reflexivos
perguntam a si próprios como se chegou até aqui, à situação de desamparo e de
confusão generalizada. É evidente que o País deu um salto positivo imenso - é
ignorância ou desonestidade pura querer comparar a situação actual com o tempo
de Salazar -, mas a incompetência e a irresponsabilidade de quem tinha mais
obrigações na liderança foram-nos pondo no caminho de um futuro dramaticamente
imprevisível e sem alternativas.
Sobre responsabilidade, permita-se-me, a título de exemplo, que volte aos
considerandos do Tribunal da Relação do Porto sobre o trabalhador alcoolizado.
Pode ler-se no acórdão: "Não há nenhuma exigência especial que faça com que o
trabalho não possa ser realizado com o trabalhador a pensar no que quiser, com
ar mais satisfeito ou carrancudo, mais lúcido ou, pelo contrário, um pouco
tonto." E continuam os magistrados: "Note-se que, com álcool, o trabalhador pode
esquecer as agruras da vida e empenhar-se muito mais a lançar frigoríficos sobre
camiões" (note-se que se tratava de um empregado da recolha do lixo), "e por
isso, na alegria da imensa diversidade da vida, o público servido até pode achar
que aquele trabalhador alegre é muito produtivo e um excelente e rápido
removedor de electrodomésticos". Pense-se: os professores, os médicos, os
ministros, os bispos, os juízes... também terão as suas agruras da vida e julgo
que, nas instituições em que trabalham, não existirá nenhuma norma a proibir o
consumo de álcool; portanto... Os considerandos são de uma insensatez
inqualificável.
Reforme-se o Estado e a política, a começar por cima. Corte-se nos
privilégios de tantos, incluindo juízes e ex-presidentes da República, reduza-se
o excesso de mordomias, fundações, empresas municipais..., siga-se "a navalha de
Ockam": "Não multiplicar os entes sem necessidade."
E haveria um teste poderoso, que eu sei que é perigoso e não aplicável. Mesmo
assim, de vez em quando, surge a tentação. Nas eleições, os votos em branco
traduzir-se-iam, segundo a lei da proporção, em cadeiras vazias no Parlamento.
Seria o "partido da cadeira vazia". Poupava-se dinheiro e retórica de sofistas,
inútil e manhosa." Anselmo Borges em Artigo de Opinião , publicado no DN, em 10/08/13
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