Por
Carlos Heitor Cony
“Sim, a pressa. Todo mundo tem pressa,
não exatamente de ir para casa, ou de vencer na vida, contingências que
qualquer um entende. A pressa de que falo é de brilhar, ter plateia, obrigar os
outros a se preocuparem com a gente. Perdoem a insistência mas trabalho há
alguns anos em jornais e revistas e, de camarote, assisto ao desfile trágico (e
engraçado), à procissão dos aflitos da glória.
Não há um dia na vida deste
insignificante escriba em que não haja pelo menos cinco ou seis solicitações
nesse sentido. É o livro, a peça teatral, o programa na TV, o quadro, a medalha
recebida ou a receber, a viagem que fez ou será feita, a carta do homem ilustre
recebida --enfim, todos os pretextos valem, até mesmo os dolorosos: mortes de
parentes ou amigos.
De uns tempos para cá, faço o que
posso: desligo o telefone da minha casa nos fins de semana. Celular, nem uso.
Mesmo assim, os esmoleres da glória sempre encontram um jeito de me aporrinhar:
mandam cartões e presentes para a minha cachorra, no pressuposto de que,
agradando à cadela, agradam ao cão --que sou eu mesmo. Vá lá: faço a nota,
publico a nota --e me sinto cúmplice da geleia geral.
Talvez os leitores não saibam, mas 80%
dos nomes e notas que aparecem nas folhas --tirante aquelas do primeiro escalão
da política e da polícia-- são catimbadas, caitituadas. Enfim, a glória. Já foi
dito que a própria, ou seja, a glória, é a repetição do próprio nome. O
anonimato seria o seu oposto, a fossa comum, a vala infecta do João Ninguém.
E aí surge a importância, a
transcendência dos meios de comunicação: eles foram feitos para informar, para
prestar um serviço público. Mas, como subproduto de si mesmo, o jornal --ou a
revista ou a rádio ou a televisão, ou as redes sociais-- acabam servindo de
mordomo da glória alheia.
Outro dia, voltava de uma viagem ao
exterior juntamente com outros jornalistas. Na alfândega, encontramos algumas
das autoridades mais conspícuas da nossa república, solícitas, desejosas de
desembaraçar os embrulhos e malas dos mais notáveis da profissão. Tudo bem: a
vida é assim mesmo.
Chaleirado, embora mal pago, o
jornalista vai levando. Alguns acreditam no efêmero poder dos gramofones da
glória alheia e embolam o meio de campo: também acabam lutando para ser
notícia.
Felizmente, há uma turma nova que
inicia outro processo: dão uma banana para a pompa e circunstância da glória e
tratam de trabalhar bem e de bem ganhar o dinheiro que a profissão devia dar.
Exigem bons salários, de acordo com suas aptidões, fazem seu pé de meia e, logo
que podem, penduram as chuteiras, tratando de outros ofícios menos expostos.
Esta mentalidade é nova, repito. Ainda
existem profissionais que acham uma vergonha lutar por bons salários, pois a
profissão de jornalista é por si só tão nobre e dadivosa que, em se a
exercendo, nada mais deve ser pago.
Razão tinha a revista "Time"
em seus inícios: da primeira a última página não havia uma única matéria
assinada. Mas a própria empresa julgou que os leitores não gostavam disso, a
revista parecia escrita por um Deus invisível, distante, inexistente.
Passou a dar crédito às suas matérias.
De um lado, lucrou: tornou seus profissionais mais responsáveis. De outro
perdeu: ficou a serviço de causas e pessoas nem sempre recomendáveis.” Carlos
Heitor Cony, em artigo de opinião publicado na Folha de S. Paulo, Brasil, em 16/08/2013
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