GRITAR
Aqui a acção simplifica-se
Derrubei a paisagem inexplicável da mentira
Derrubei os gestos sem luz e os dias impotentes
Lancei por terra os propósitos lidos e ouvidos
Ponho-me a gritar
Todos falavam demasiado baixo falavam e escreviam
Demasiado baixo
Fiz retroceder os limites do grito
A acção simplifica-se
Porque eu arrebato à morte essa visão da vida
Que lhes destinava um lugar perante mim
Com um grito
Tantas coisas desapareceram
Que nunca mais voltará a desaparecer
Nada do que merece viver
Estou perfeitamente seguro agora que o Verão
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trémulos de tão semelhantes serem
E o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegria
E esse fogo nu que pesa
Torna a minha força suave e dura
Eis aqui a amadurecer um fruto
Ardendo de frio orvalhado de suor
Eis aqui o lugar generoso
Onde só dormem os que sonham
O tempo está bom gritemos com mais força
Para que os sonhadores durmam melhor
Envoltos em palavras
Que põem o bom tempo nos meus olhos
Estou seguro de que a todo o momento
Filha e avó dos meus amores
Da minha esperança
A felicidade jorra do meu grito
Para a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.
Paul Éluard, in
"Algumas das palavras" Dom Quixote, 1977, trad. António Ramos Rosa e
Luisa Neto JorgeAqui a acção simplifica-se
Derrubei a paisagem inexplicável da mentira
Derrubei os gestos sem luz e os dias impotentes
Lancei por terra os propósitos lidos e ouvidos
Ponho-me a gritar
Todos falavam demasiado baixo falavam e escreviam
Demasiado baixo
Fiz retroceder os limites do grito
A acção simplifica-se
Porque eu arrebato à morte essa visão da vida
Que lhes destinava um lugar perante mim
Com um grito
Tantas coisas desapareceram
Que nunca mais voltará a desaparecer
Nada do que merece viver
Estou perfeitamente seguro agora que o Verão
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trémulos de tão semelhantes serem
E o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegria
E esse fogo nu que pesa
Torna a minha força suave e dura
Eis aqui a amadurecer um fruto
Ardendo de frio orvalhado de suor
Eis aqui o lugar generoso
Onde só dormem os que sonham
O tempo está bom gritemos com mais força
Para que os sonhadores durmam melhor
Envoltos em palavras
Que põem o bom tempo nos meus olhos
Estou seguro de que a todo o momento
Filha e avó dos meus amores
Da minha esperança
A felicidade jorra do meu grito
Para a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.
GRITO
De ti que
inventaste
a paz
a ternura
e a paixão
o beijo
o beijo fundo
intenso e louco
e deixaste lá
para trás
a côncava do
medo
à hora entre
cão e lobo
à hora entre
lobo e cão.
De ti que em
cada ano
cada dia cada
mês
não paraste
de acender
uma e outra
vez
a flor
eléctrica
do mais
desvairado
coração.
De ti que
fugiste à estepe
e obrigaste
à ordem dos
caminhos
o pastor
a cabra e o
boi
e do fundo do
tempo
me chamaste
teu irmão.
De ti que
ergueste a casa
sobre estacas
e pariste
deuses e
linguagens
guerras
e paisagens
sem alento.
De ti que
domaste
o cavalo e os
neutrões
e
conquistaste
o lírico
tropel
das águas e
do vento.
De ti que
traçaste
a régua e
esquadro
uma abóboda
inquieta
semeada de
nuvens e tritões
santidades e
tormentos.
De ti que
levaste
a volupta da
ambição
a trepar
erecta
contra as
leis do firmamento.
De ti que
deixaste um dia
que o teu
corpo se cansassse
desta terra
de amargura e alegria
e se
espalhasse aos quatro cantos
diluido lentamente
no mais
plácido
silente
e negro breu.
De ti
meu irmão
ainda ouço
o grito que
deixaste
encerrado
em cada
pétala do céu
cada pedra
cada flor.
O grito de
revolta
que largaste
à solta
e que ficou
para sempre
em cada grão
de areia
a ressoar
como um pálido
rumor.
O grito que
não cansa
de implorar
por amor
e mais amor
e mais amor.
José Fanha, in "Breve tratado das
coisas da arte e do amor" Edições Ulmeiro, 1995. 1ª Edição
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