sábado, 29 de junho de 2013

A lei do mais forte

Atenienses e mélios, Portugal e a Europa, poder e política
por ANSELMO BORGES
“1. Foi pela mão da filósofa e mística Simone Weil e do filósofo André Comte-Sponville que voltei à leitura da História da Guerra do Peloponeso, de Tucídedes. E lá está aquele passo célebre, V, 104-105, que narra o encontro entre os atenienses e os mélios, quando os atenienses estavam em guerra contra Esparta e queriam forçar os habitantes da pequena ilha de Melos a juntar-se a eles. Uma vez que não cederam, os atenienses arrasaram a cidade, mataram os homens, venderam como escravos as mulheres e as crianças.
O mais terrível é a razão apresentada. De facto, perante o ultimato ateniense, os mélios imploraram piedade e até disseram que, em caso de guerra, teriam a protecção dos deuses, pois a justiça estava do seu lado. Os atenienses responderam: "Quanto à divina benevolência, nós também não cremos ser inferiores, pois nem exigimos nem fazemos nada que esteja fora do juízo que os homens têm das coisas divinas nem dos desejos em que baseiam as suas relações recíprocas. Efectivamente, cremos que os deuses e os homens (no primeiro caso, trata-se de uma opinião, e, no segundo, de uma certeza) imperam sempre em virtude de uma lei natural sobre aqueles a quem superam em poder. Não fomos nós que estabelecemos esta lei nem fomos os primeiros a aplicá-la. Já existia quando a recebemos e havemos de deixá-la como legado à posteridade. E sabemos que também vós, e qualquer outro, se chegasse a esta situação de poder como nós, faríeis o mesmo."
Está aí, no seu esplendor e horror, a defesa da lei do mais forte.
2. A organização não-governamental Oxfam revela que nos paraísos fiscais se encontram 14 biliões de euros (14 com doze zeros à frente), tendo dois terços origem na União Europeia. Se esses 14 biliões fossem taxados, poder-se-ia acabar com a pobreza extrema no mundo duas vezes.
Num trabalho coordenado por Augusto Mateus, ficou-se a saber que Portugal recebeu, ao longo dos últimos 25 anos, 81 mil milhões de euros de fundos comunitários, o que significa 9 milhões por dia. Pergunta-se para onde foi tanto dinheiro, se teve as aplicações mais racionais... E porque é que continuamos o País mais desigual da Europa. E, quando Portugal se afunda na crise, como se explica tanta impunidade.
De qualquer modo, Paulo Morais vem dizer, no seu livro Da Corrupção à Crise. Que Fazer?, que "enquanto o País empobrece, a classe média se extingue e o desemprego alastra, a corrupção continua a aumentar, os mecanismos de corrupção agravam-se e cresce a promiscuidade entre a política e os negócios".
3. Vivemos num mundo deveras perigoso e os espíritos mais lúcidos temem pelo futuro da paz e da democracia.
Portugal não tem solução fora da Europa. Mas a Europa, sem união e procurando o caminho de estruturas federativas, não tem futuro: num mundo globalizado, tornar-se-á irrelevante. Por sua vez, um mundo globalizado precisa de uma governança global.
Em todo este contexto, é o célebre sociólogo Zygmunt Bauman, que já aqui citei algumas vezes e que tive o prazer de encontrar no grande acontecimento cultural que foi o III Festival Literário do Funchal, que tem razão, quando reclama o recasamento do poder e da política.
Qual é o problema? Nos tempos modernos, nos Estados-nação, houve durante cerca de duzentos anos um casamento entre poder e política, e julgou-se que "poder e política deveriam continuar de qualquer maneira a viver juntos: a arte política como o poder de fazer coisas, diga-se um poder regulado, compensado e orientado pela política". Ora, o que está a acontecer é que numa globalização meramente negativa não conseguimos ainda instituições políticas de carácter global e o poder tende a evaporar-se no ciberespaço, num mundo planetário. Em síntese, "o poder globaliza-se enquanto a política permanece local". O poder já não está subordinado à política nem é por ela limitado. "A política encontra-se cada vez mais desprovida (e torna-se cada vez mais destituída) de poder, e os Estados-nação, como tal, podem fazer cada vez menos do que faziam antes.” Anselmo Borges, em Artigo de Opinião publicado no DN, em 22 de Junho de 2013

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