terça-feira, 14 de maio de 2013

Vague de Carnac de Christophe Du44

Carnac
1
Mar à beira do nada,
Que se mistura ao nada,

Para melhor saber o céu,
As praias, os rochedos,

Para melhor os receber.

2

Algum dia brincaremos,
Por uma hora que seja,
Nada mais que alguns minutos,
Oceano solene,

Sem que tenhas tu esse ar
De outra coisa te ocupar?

3

Sabes de mais que todos te preferem,
Que mesmo aqueles que te deixaram

Nos trigos te reencontram,
Na erva te procuram,
Na pedra te escutam,
Sem que jamais consigam agarrar-te.

4

Tem qualquer coisa a ver
Com a noção de Deus,

Água que já não és água,
Poder desprovido de mãos e de instrumentos,

Peso sem emprego
Para quem o tempo não existe.

5

Sejamos justos: sem ti
De que me servia o espaço
E as rochas de que serviam?

6

Não temos margens, na verdade,
Nem tu nem eu.


7

Ouve bem o que faz
A pólvora explodindo.

Ouve bem o que faz
O frágil violino.

8

Sei bem que há outros mares,
Mar do pescador,
Mar dos navegadores,
Mar dos marinheiros e guerreiros,
Mar dos que querem morrer no mar.

Não sou um dicionário,
Falo só de nós dois

E quando digo o mar
É sempre o de Carnac.

9

As mesmas terras sempre
A teres de acariciar.

Jamais um corpo novo
Que possas ensaiar.

10

As profundezas, que procuramos,
Serão as tuas?

As nossas têm poder de chama.

11

Demasiado largo
Para ser cavalgado.

Demasiado largo
Para ser estreitado.

E flácido.

12

Se acaso acreditas no valor dos sons
Deves sentir-te arrepiar
Só de ouvir este nome de mar.

13

Tu vais e vens
Mas dentro de limites

Fixados por uma lei
Que não chega a ser tua.

Nós temos em comum
A experiência do muro.


Guillevic, in fragmentos de  “Carnac (1961), Vozes da Poesia Europeia III” traduções de David Mourão Ferreira,Colóquio Letras 165,
 Tradução de Poesia, n.º 165, Set. 2003, p. 177, Fundação Calouste Gulbenkian

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