Que ando a esconder de mim
Que ando a esconder de mim
com estes gritos de unhas
contra a injustiça do mundo
que só me deixam no coração
tédios de céu afogado?
Que ando a esconder de mim
com esta raiva do amor pelos outros,
a querer arrancar lágrimas de tudo
para as colar nos olhos vazios?
Que ando a esconder de mim
nesta agonia de escurecer a alma
para a confundir com a noite
– bandeira negra de todos os humilhados?
Que ando a esconder de mim
sem coragem de mostrar aos homens
a minha pobre dor,
tão débil e exígua,
que em vão oculto atrás de toda a dor humana
para a tornar maior?
José Gomes Ferreira, in " Poesia", Ed. Portugália
Ah! Como te invejo
Ah! Como te invejo,
pássaro que cantas
o silêncio das plantas
-- alheio à tempestade.
Vives sem chão
ao sol a cantar
a grande ilusão
da liberdade...
(...com algemas de ar.)
José Gomes Ferreira, in " Poesia", Ed. Portugália
Poeta, ensaísta ficcionista, cronista, compositor, tradutor, homem de grande produção literária, José Gomes Ferreira ( 1900-1985) foi um símbolo da resistência, da luta contra à opressão, do combate ao silêncio imposto e à censura. A sua obra transporta um memorial de lutas e de denúncia contra o período negro da Ditadura tal como a escrita de muitos outros grandes escritores do Sec. XX.
Compositor e amante de Música, José Gomes Ferreira juntou-se ao grande compositor e maestro Lopes Graça,( poema e música), e dessa parceria nasceram cânticos que ficaram como hinos da Resistência Portuguesa.
António José Saraiva e Óscar Lopes na História da Literatura Portuguesa, 17ª edição,1996 registaram o seguinte:«Gomes Ferreira foi principalmente o porta-voz de um sentimento de remorso e responsabilização do intelectual por todas as brutalidades e injustiças, pelo drama colectivo dos últimos cinco decénios; as contradições da auto-sinceridade, já focadas por Raul Brandão e Régio, ganham com ele tons alternativos de sarcasmo, de nojo, de revolta, de melancolia, de perplexidade, anotados no quotidiano da resistência.»
António José Saraiva e Óscar Lopes na História da Literatura Portuguesa, 17ª edição,1996 registaram o seguinte:«Gomes Ferreira foi principalmente o porta-voz de um sentimento de remorso e responsabilização do intelectual por todas as brutalidades e injustiças, pelo drama colectivo dos últimos cinco decénios; as contradições da auto-sinceridade, já focadas por Raul Brandão e Régio, ganham com ele tons alternativos de sarcasmo, de nojo, de revolta, de melancolia, de perplexidade, anotados no quotidiano da resistência.»
Já Fernando J.B. Martinho afirma sobre a poesia de José Gomes Ferreira: "A «dialéctica da realidade e da irrealidade, de que também se encontram reflexos nos seus livros de «histórias», «vagabundagens» e «invenções», alarga-se a um outro tema que domina a poesia de José Gomes Ferreira: o conflito dentro da persona, entre as suas tendências individualistas e a necessidade de partilhar o sofrimento e o drama dos outros homens».Texto de Fernando Martinho, in " Dicionário de Literatura Portuguesa", organizado por Álvaro Manuel Machado, Editorial Presença, Lisboa, 1996
Em Outubro de 1973 , são publicados os Estatutos da Associação Portuguesa de Escritores, APE, organismo que sucede à Sociedade Portuguesa de Escritores, SPE, encerrada pela polícia política e é José Gomes Ferreira que no editorial
do n.º 1 do Boletim da APE propõe como divisa:
«Escritores: as diferenças, entre pessoas de qualidade, só as podem unir!». E quando chega o 25 de Abril de 1974 declara :"Sinto os olhos a desfazerem-se em lágrimas» ,"finalmente, é tempo de flores…" e mais tarde «Que esta revolução das flores não seja a revolução das flores de retórica.»
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