Os Olhos do Poeta
O poeta tem
olhos de água para reflectirem as cores do mundo,
e as formas e
as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em são olhar
estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as
estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as
silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar
estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas
maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento
ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da Terra
e o gesto
desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do
deserto incandescente e trémula, e os gelos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra
das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros
dos oceanos desvendados maravilhando como contos-de-fada à hora da infância
e os trapos
negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo
pela costa de mãos jogadas prò mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as
cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar,
que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma
estrela voando nas trevas
tocando de
esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias
claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve
poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo
Manuel da
Fonseca, in “ Poemas completos”, Portugália
Pátria
Foste um
mundo no mundo
E és agora
O resto que de ti
Já não posso perder:
A terra, o mar e o céu
Que todo eu
Sei conhecer.
E és agora
O resto que de ti
Já não posso perder:
A terra, o mar e o céu
Que todo eu
Sei conhecer.
Foste um
sonho redondo,
E és agora
Um palmo de amargura
Retornada.
Amargura que em mim
Também nunca tem fim,
Por ter sido comigo baptizada.
E és agora
Um palmo de amargura
Retornada.
Amargura que em mim
Também nunca tem fim,
Por ter sido comigo baptizada.
Foste um
destino aberto,
E és agora
Um destino fechado.
Destino igual ao meu, amortalhado
Nesta luz de incerteza
E de certeza
Que vem do sol presente e do passado.
E és agora
Um destino fechado.
Destino igual ao meu, amortalhado
Nesta luz de incerteza
E de certeza
Que vem do sol presente e do passado.
Miguel Torga,
in “Diário” Coimbra, 28 de Abril de 1977, Círculo Leitores
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