O DESAFIO DO
POLÍTICO
"Não podemos alhear-nos da dimensão política se
queremos compreender o nosso mundo e o nosso tempo, se queremos influenciar os
nossos destinos e o destino. Mas como conceber a política?
A política lança o maior desafio ao conhecimento.
A política é uma coisa geral que requer ideias gerais num mundo em que os
conhecimentos gerais são insuficientes por serem gerais e os conhecimentos
especializados são insuficientes por serem especializados. A política diz
respeito a todos os domínios do conhecimento do homem e da sociedade, ainda que
esses conhecimentos sejam ao mesmo tempo balbuciantes, compartimentados e
enganadores. A política trata do que há de mais complexo no universo – os
assuntos humanos –, e a sua relação com os assuntos humanos tornou-se
extremamente complexa. Com efeito, o
não-político não pode ser isolado do político, mas ao mesmo tempo não se pode
reduzir tudo ao político. Tudo o que é não-político comporta pelo menos uma
dimensão política: a ecologia, a demografia, o nascimento, a juventude, a
velhice, a saúde, a habitação, o bem-estar, o mal-estar, o livre trânsito dos
espermatozóides, o controlo das ovulações, etc.. Inversamente , tudo o que é político
comporta também, sempre, uma dimensão não-política. Mais profundamente, as
nossas vidas , as nossas mortes, as nossas venturas, as nossas desventuras
escapam em todos os sentidos ao político. Mas a vida e a morte de cada humano
dependem também da determinação política, a vida e a morte da humanidade entram
doravante no jogo político entre Potências e impotências.
A política, de que tudo depende, depende também de
tudo o que depende dela. A política que decide da economia, da sociedade, do
exército, depende ela própria de condições
económicas, sociais e militares. A
política é o preliminar que depende de múltiplos preliminares que dependem
dela. No fim de contas, o destino do mundo depende do destino político, que
depende do destino do mundo…
(...)A política ocupa-se do que há de mais complexo e
precioso: a vida, o destino, a liberdade dos indivíduos, das colectividades e
doravante da humanidade. E no entanto é na política que imperam as ideias mais
simplistas, as menos fundadas, as mais brutais e as mais mortíferas. Nessa
esfera, a mais complexa de todas, impera
o pensamento menos complexo. As estruturas mentais mais infantis impõem-lhe uma
visão maniqueísta em que se opõem Verdade/Mentira, Bem/Mal. É na esfera
política que imperam o pensamento fechado, o pensamento dogmático, o pensamento
fanático, o tabu, o sagrado… Claro que como tudo o que é humano a política
alimenta-se de mitos, que por sua vez se alimentam das nossas aspirações mais
profundas. Mas foi no mito político que se refugiaram e vazaram as
escatologias, as promessas de Salvação que transformaram os mitos em ilusões.
(…) A política exige vitalmente um pensamento que
consiga erguer-se ao nível da complexidade do próprio problema político e
corresponder ao querer-viver da espécie humana."Edgar Morin, in “ As grandes questões do nosso tempo”,
Notícias Editorial,1983
Sem comentários:
Enviar um comentário