A esquerda envergonhada
Por Batista Bastos
"Portugal
pobre de pedir paga impostos de montantes superiores aos que se praticam na
Europa dos ricos. Por outro lado, o Governo inunda com milhares de milhões de
euros bancos que parecem estar na penúria. O último caso em presença é o
auxílio de mais de um milhão prestado ao Banif, cujo património é muito
inferior à generosa entrega. O apoio e a defesa do sistema capitalista são
característicos dos governos deste tipo. Não é de surpreender. O pior é que a
doutrina amparada por Passos Coelho convive, dificilmente, com a democracia.
Estamos numa situação de ruptura total e esta existência problemática não
parece convencer a trupe que dirige o País. Por outro lado, vozes qualificadas
opõem, a esta governação cega, uma visão que recusa a redução do humano ao estrito
conceito de homo economicus. Há outros caminhos. Todavia, o mito da
inevitabilidade, proclamado pela clique, parece sólido. Mas não é. O próprio
carácter do neoliberalismo é frágil na essência porque pretende ocultar o homem
e atribuir-lhe, apenas, o valor que o "mercado" lhe dá.
O regabofe
que por aí vai está associado ao descalabro. No último fim-de-semana, o jornal
i revelou que o Governo dispõe de 164 "especialistas", com
vencimentos até 5775 euros mensais e cuja "experiência" é mais do que
duvidosa. Quinze por cento desses animosos espíritos têm entre os 24 e os 29
anos. O Tribunal de Contas franze o nariz, dubitativo. Torna-se manifesto o
nepotismo que comporta a expressão "empregos para a rapaziada." O
cerco foi habilmente montado e fortalecido através de enunciações como
"modernidade", "reforma" ou "reestruturação." E,
também, com a inércia da esquerda, cuja melancolia passadista chega a ser
deprimente. As consequências da "perda" sucessiva de batalhas, a
ausência de respostas à ofensiva do capitalismo e o recurso a chavões já sem
sentido foram ocasiões privilegiadas para o avanço das forças mais retrógradas
da sociedade. O curioso de isto tudo é que Walter Benjamin (tão esquecido
quanto desprezado) já previra a degenerescência da esquerda ["Thèses sur
la Philosophie de l'Histoire"], cuja leitura receio tenha sido alguma vez
frequentada pelas criaturas que dirigem os PS europeus.
A verdade é
que se esta esquerda deixou de ler, esta direita recorre a livros cheios de
azebre. Se há, na direita, quem tenha o ânimo de citar Brasillach ou Drieu La
Rochelle, ou, mesmo, Maurras, a esquerda marginaliza-se ocultando os seus
grandes autores, como se procedesse a uma incómoda autopunição. Como exemplo
modesto recordo-me de, há anos, João Cravinho, a propósito de qualquer
interpelação provocatória, ter afirmado: "Sim, senhor, sou de formação
marxista, e depois?!" A esquerda parece ter vergonha dos seus escritores e
contribuir, com as suas omissões deliberadas, para se colocar, a ela mesma, num
limbo associado à confusão de ideias.” Baptista-Bastos , em Artigo de Opinião
publicado no DN de 9/01/2013
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