“O imprevisto já não é um conceito exótico,
como era ainda há cem anos. Tornou-se o nosso elemento, o sinal distintivo das
relações estratégicas da nossa época, com a rapidez dos nossos vectores, a
potência de fogo das nossas armas, as novidades das nossas tecnologias, a
instantaneidade da informação e as novas formas de terrorismo. A história
recente, que é balizada por terríveis explosões, catástrofes naturais e grandes
massacres, mostrou até que ponto as surpresas podem ser devastadoras. Esta
mistura de violência e instantaneidade, de instabilidade e desordem, afecta
tanto as nossas almas como os nossos espíritos. O desfasamento crescente entre
o homem e a história comporta, por este motivo, um risco de tipo ontológico:
põe em perigo a relação que liga a consciência humana ao tempo. A forte ligação
ao passado, a transmissão dos valores, a continuidade das gerações, aquilo que
liga os homens entre si, tudo isso está ameaçado pelo imediatismo em que
vivemos e pelo caos que nos rodeia. Tanto a impaciência do presente como a
desvitalização do passado transformam o tempo num vector de agitação e
angústia, tanto mais que as metamorfoses introduzidas pelas revoluções
tecnológicas têm um ritmo demasiado rápido para que o espírito humano possa
seguir o seu curso. Logo, este é muitas vezes reduzido a um papel de
espectador, que não espera nada mais da história - a não ser que perdure.
Mas quando
apenas pedimos à história que perdure, não devemos queixar-nos se ela, por
vezes nos der respostas brutais. (...) A surdez da história é também a do homem que só formidáveis
explosões conseguem fazer estremecer. O que nos causa horror no ciclo de
crueldade gratuita que os ecrãs de televisão apresentam, com a encenação de
reféns degolados como animais ou a profanação dos mortos nos cemitérios, é o
modo como o terror e a barbárie penetram em todos os lares por meio da imagem,
mas é também, que esses rituais exprimem uma espécie de "norma"
visualizada da extrema violência que reina no mundo, e perguntamo-nos aonde
poderá conduzir. O que acontece sobretudo é que, presentemente, só os grandes
crimes conseguem emocionar-nos. O regresso do crime-espectáculo desperta um
mal-estar maior precisamente porque não se produz nas praças públicas, como no
tempo de Voltaire, mas no conforto dos salões. O desfasamento é insuportável,
do mesmo modo que a banalização da violência. Tucídides, que continua a ser a
referência mais preciosa de todos quanto reflectem sobre a história, afirma que
determinados períodos exprimem uma forma de exacerbação das paixões humanas. Se
for o caso, o nosso tempo é um desses períodos, como o foram os anos 30 do
século passado, em que a condenação do humanismo e do intelectualismo foi
feita, em nome de tudo o que refreava as paixões humanas impondo-lhes normas.”Thérèse Delpech, in "O Regresso da Barbárie",( Prémio Femina de Ensaio),Lisboa, Quidnovi
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