O essencial é ter o vento
O essencial é
ter o vento.
Compra-o; compra-o depressa,
A qualquer preço.
Dá por ele um princípio, uma ideia,
Uma dúzia ou mesmo dúzia e meia
Dos teus melhores amigos, mas compra-o.
Outros, menos sagazes
E mais convencionais,
Te dirão que o preciso, o urgente,
É ser o jogador mais influente
Dum trust de petróleo ou de carvão.
Eu não:
O essencial é ter o vento.
E agora que o Outono se insinua
No cadáver das folhas
Que atapeta a rua
E o grande vento afina a voz
Para requiem do Verão,
A baixa é certa.
Compra-o; mas compra-o todo,
De modo
Que não fique sopro ou brisa
Nas mãos de um concorrente
Incompetente.
Reinaldo Ferreira, in “ Poemas”, livro editado em Lourenço Marques pela Imprensa Nacional de Moçambique, em 1960
Compra-o; compra-o depressa,
A qualquer preço.
Dá por ele um princípio, uma ideia,
Uma dúzia ou mesmo dúzia e meia
Dos teus melhores amigos, mas compra-o.
Outros, menos sagazes
E mais convencionais,
Te dirão que o preciso, o urgente,
É ser o jogador mais influente
Dum trust de petróleo ou de carvão.
Eu não:
O essencial é ter o vento.
E agora que o Outono se insinua
No cadáver das folhas
Que atapeta a rua
E o grande vento afina a voz
Para requiem do Verão,
A baixa é certa.
Compra-o; mas compra-o todo,
De modo
Que não fique sopro ou brisa
Nas mãos de um concorrente
Incompetente.
Reinaldo Ferreira, in “ Poemas”, livro editado em Lourenço Marques pela Imprensa Nacional de Moçambique, em 1960
Ao Vento
O vento passa
a rir, torna a passar,
Em gargalhadas ásperas de demente;
E esta minh’alma trágica e doente
Não sabe se há-de rir, se há-de chorar!
Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amor,
A tua voz tortura toda a gente! ...
Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sós comigo,
E não rias assim ! ... Ó vento, chora!
Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um Calvário,
e a gente andar a rir pla vida fora!! ...
Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas" - " Sonetos", Bertrand Editora, 1978
Em gargalhadas ásperas de demente;
E esta minh’alma trágica e doente
Não sabe se há-de rir, se há-de chorar!
Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amor,
A tua voz tortura toda a gente! ...
Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sós comigo,
E não rias assim ! ... Ó vento, chora!
Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um Calvário,
e a gente andar a rir pla vida fora!! ...
Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas" - " Sonetos", Bertrand Editora, 1978
Estou vivo mas quero viver
Estou vivo
mas quero viver
Não quero salvar-me porque não posso salvar-me
porque a salvação não existe
Perdi o meu percurso
e tudo o que herdei de mim próprio
No mundo as palavras não compensam
a violência absurda do sofrimento
Na página elas podem ser a invenção
de um frémito perante um corpo nu
É na palavra que se acende a minha vida
mas a minha vida sobra sempre como uma cauda cinzenta
Por que é o infortúnio a norma
e não há resgate para a morte?
O mundo é estranho mas irrefutável
na sua contínua sucessão que nos transcende
e passa sobre nós como se não existíssemos
Teremos acaso que nos unir e reinventar as nossas vidas
para que os deuses nasçam do nosso desamparo?
O silêncio conduz-nos à sua infinita fronteira
mas o ócio iluminado pode vogar na casa
como se estivéssemos entre palmeiras e araucárias
Toda a viagem é um regresso ao ponto de partida
para partir de novo entre a água e o vento
mas quero viver
Não quero salvar-me porque não posso salvar-me
porque a salvação não existe
Perdi o meu percurso
e tudo o que herdei de mim próprio
No mundo as palavras não compensam
a violência absurda do sofrimento
Na página elas podem ser a invenção
de um frémito perante um corpo nu
É na palavra que se acende a minha vida
mas a minha vida sobra sempre como uma cauda cinzenta
Por que é o infortúnio a norma
e não há resgate para a morte?
O mundo é estranho mas irrefutável
na sua contínua sucessão que nos transcende
e passa sobre nós como se não existíssemos
Teremos acaso que nos unir e reinventar as nossas vidas
para que os deuses nasçam do nosso desamparo?
O silêncio conduz-nos à sua infinita fronteira
mas o ócio iluminado pode vogar na casa
como se estivéssemos entre palmeiras e araucárias
Toda a viagem é um regresso ao ponto de partida
para partir de novo entre a água e o vento
António Ramos
Rosa, in “ Deambulações Oblíquas”, Ed. Quetzal
Três poetas que merecem ser lembrados. O António Ramos Rosa é o único que ainda se encontra entre nós. Deste, que dizer' Dos vivos é o nosso Poeta mais premiado, quer a nível nacional como internacional. No enntanto, sem menosprezar Florbeça Espanca, a mais conhecida, queremos juntar uma palavra para assinalar Reinaldo Ferreira, um poeta muito especial, jornalista de profissão, que morreu precocemente por razões de doença, e que assinou a maior parte dos seus textos em jornais e revistas com o pseudónimo literário, "Reporter X". Reinaldo Ferreira, o mais esquecido!... A sua vida, com alguma tragicidade, ficou ligada ao Porto, a Lisboa e sobretudo às costa africanas do Índico, a Moçambique.
ResponderEliminarNeste "Post", o tema do vento, esse misterioso movimento, esse autêntico "correio de Poesia", essa misteriosa inquietação...