quinta-feira, 3 de maio de 2012

Balada dos amigos separados


Onde estais vós Alberto Henrique
João Maria Pedro Ana?
Onde anda agora a vossa voz?
Que ruas escutam vossos passos?
Ao norte? ao sul? aonde? aonde?
José António Branca Rui
E tu Joana de olhos claros
E tu Francisco E tu Carlota
E tu Joaquim?
Que estradas colhem vosso olhar?
Onde anda agora a vossa vida repartida?
A oeste? A leste? Aonde? Aonde?
Olho prà frente prà cidade
e pràs outras cidades por trás dela
onde se agitam outras gentes
que nunca ouviram vosso nome
e vejo em tudo a vossa cara
e oiço em tudo o som amigo
a voz de um a voz de outro
e aquele fio de sol que se agitava
sempre
em todos nós
Dançam as casas nesta noite
ébrias de sombra nesta noite
que se prolonga em plena angústia
aos solavancos do destino
e não consegue estrangular-nos
Sigo e pergunto ao vento à rua
e a esta ânsia inviolável
que embebe o ar de calafrios
Onde estais vós? onde estais vós?
E por detrás de cada esquina
e por detrás de cada vulto
o vento traz-me a vossa voz
a rua traz-me a vossa voz
a voz de um a voz de outro
toada amiga que me banha
tão confiante tão serena
Aqui aqui em toda a parte
Aqui aqui E tu? aonde?

Mário Dionísio,in "Poesia Incompleta", Mem Martins, Publicações Europa-América, 1966

1 comentário:

  1. A poesia de Mário Dionísio é uma poesia dialogante, por vezes recolhida na profundidade da busca, na decifração dos enigmas do vento que sopra, da chuva miudinha e morrinhenta que espelhava a calçada dessa Lisboa de novembros à Cesário Verde, uma poesia da alma, que nos transporta para um dia a dia soluçante, vivente, morno, apertado nas ondas das aflições de um viver pequenino, apertado num país talhado à nossa medida. Hoje,Mário Dionísio e a sua obra literária podem ser lembrados na sua Casa da Mouraria, que a sua filha, a Eduarda, e mais amigos criaram com tanto esmero, carinho e cuidados, de modo que a memória do Mário e do seu pensamento ficasse perdurando no decorrer de ambicionados dias futuros. Mário Dionísio, uma excelência de alma, uma saudade nunca mitigada, um exemplo de artista (foi pintor...), de poeta, de escritor, dos maiores da sua geração!

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