Não era o vulgar brilho da Beleza
Nem o ardor banal da mocidade:
Era outra luz, outra suavidade
Que até nem sei se as há na Natureza...
Antero de Quental
"Quem comparar o templo grego com a catedral gótica verifica que está em face de dois ideais, dois estados afectivos, dois mundos que nada têm que ver um com o outro. Por que razão? Observemos que há no templo grego perfeita simetria das duas alas do edifício, perfeito equilíbrio das linhas horizontais com as verticais, perfeita unidade ( tão perfeita que nem um elemento se poderia retirar sem transformar completamente o todo), e observemos ao mesmo tempo, dentro de nós, que, em face desta perfeita construção, inspiramos uma subtil sensação de agrado a que chamamos a sensação da Beleza.
Nem o ardor banal da mocidade:
Era outra luz, outra suavidade
Que até nem sei se as há na Natureza...
Antero de Quental
"Quem comparar o templo grego com a catedral gótica verifica que está em face de dois ideais, dois estados afectivos, dois mundos que nada têm que ver um com o outro. Por que razão? Observemos que há no templo grego perfeita simetria das duas alas do edifício, perfeito equilíbrio das linhas horizontais com as verticais, perfeita unidade ( tão perfeita que nem um elemento se poderia retirar sem transformar completamente o todo), e observemos ao mesmo tempo, dentro de nós, que, em face desta perfeita construção, inspiramos uma subtil sensação de agrado a que chamamos a sensação da Beleza.
E transportemo-nos segudamente ao outro mundo, à catedral gótica: onde está o equilíbrio, naquelas linhas desvairadas, de tão reduzida base horizontal? Onde está a simetria, que, se existe em muitos casos, quase nem damos por ela? Onde está o acabamento nas agulhas que parecem prolongar-se indefinidamente no céu? Onde está a própria unidade, se muitissimas vezes escapa ao nosso espírito lógico a ligação dos vários corpos do edifício entre si? Escusamos de os procurar: aqui não há equilíbrio, nem harmonia, nem unidade, nem Beleza: há outra ordem muito diferente de valores; estamos noutro mundo.
O templo grego tem por destino ser uma obra humanamente bela e perfeita.
O destino da catedral é outro: é exprimir um pensamento religioso e transmiti-lo aos crentes. O arquitecto grego tinha em vista levantar composições, finitas, acabadas e belas, que acariciassem os sentidos e satisfizessem a razão. O arquitecto cristão pretendia exprimir, traduzir em pedra todo o seu frémito de infinito e fazer comungar as almas numa ascensão mística.
O destino da catedral é outro: é exprimir um pensamento religioso e transmiti-lo aos crentes. O arquitecto grego tinha em vista levantar composições, finitas, acabadas e belas, que acariciassem os sentidos e satisfizessem a razão. O arquitecto cristão pretendia exprimir, traduzir em pedra todo o seu frémito de infinito e fazer comungar as almas numa ascensão mística.
Diante deste esforço de exprimir, tudo o mais perde o seu valor: o equilíbrio para quê, se o pensamento for por si mesmo grandiosamente ou audaciosamente desequilibrado? Para quê a própria Beleza se nós quisermos exprimir a tortura, a angústia e a miséria que retorce as almas e os corpos em atitudes que não podem ter a plenitude e a elegância das Vénus ou dos Apolos?
E podemos concluir que esta diferença separa as duas naturezas de arte a que me estou referindo: a arte antiga é uma arte de composição, construção de Beleza; a arte cristã - e, na sua esteira, toda a arte moderna - é uma arte de expressão.
Só tendo-se em vista esta diferença podem explicar-se aparentes paradoxos, como o da célebre frase atribuída a Vítor Hugo: "Le beau c'est laid." É possível? dir-se-á. É possível que o Feio seja o Belo e que o Belo seja o Feio? Efectivamente, não é possível, porque o autor da frase errou quando dispôs em simetria e no mesmo plano as palavras Beau e Laid. Mas o que ele quis dizer foi que o Feio é muitissimas vezes mais expressivo e, como tal, mais artístico que o Belo. E isto é verdade."
António José Saraiva , "Estética dos Autos de Devoção" 1937, in "Poesia e Drama",Gradiva Publicações
Não há dúvida!... A monumentalidade é a devoção do Homem. Trata-se de padrões arquitectónicos de beleza diferente. Reflectem o pensar e o modo de viver e o acreditar de épocas diferentes. Com o Templo grego, essa arquitectura sólida, linhas escorridas de uma geometria básica e linear, onde o círculo, o cilindro, o volumétrico encorpado, e os próprios traços geométricos, triangulares ou em quadrilátero predominam. Aqui, temos o passado e presente, projectados no futuro, todavia "mortos", traduzindo pedaços de vida que já não existem. Com o estilo gótico, tudo ali é esbelto, longilíneo, e tem tendência para o alto, para o sentido religioso, para o afectivo, paar o humano, para um presente - diríamos, sem passado... - e onde o futuro é a maior razão da sua própria existência, o futuro feito presente é tudo quanto se precisa. Mais uma vez se tenta provar que não foi o Homem que criou a arquitectura, os estilos, mas as suas necessidades material e espiritual, o amor e a fé, quaisquer que sejam, que lhe moldelaram a vida, a passagem do Homem pelos tempos, pelas épocas em multivariadas circunstâncias. Assim... O feio só é feio porque não gostamos dele, do objecto que o representa, do alvo que rejeitamos. O belo só é belo porque gostamos dele, do objecto que se veste dele e onde investimos. Sensibilidade e opinião. Que mudam, consoante os séculos... Igualmente, o belo pode ser afastado, uma abjecção horripilante. E o feio, amado e querido, por contrastar com algo, com o belo, um outro algo de que não gostamos, que já não amamos. Onde está o belo, pode viver o feio. Onde o feio é temido, pode restar sujacente o belo. Uma reflexão de A. J. Saraiva (uma alma com laivos de genialidade, dotada de um inconformismo e de uma insatisfação inabitáveis, sempre em procura da Verdade...), uma reflexão muito a propósito, quando se aprecia a Hermenêutica e ao mesmo tempo a Estética, e sabemos extrair de uma ou de outra, ou de ambas, o sentido maior da Vida. Tão actual... nos dias que correm.
ResponderEliminarOs versos que abrem o "post" pertencem a um soneto de Antero de Quental, um soneto dedicado à Virgem Santíssima, escrito provavelmente em horas de rasgada amargura, mas também de intensa religiosidade, de uma religiosidade de espírito, que não tinha nada a ver com as Religiões, enquanto Instituições. Eis um exemplo em que um agnóstico - por poeta, por inteligência, e por genialidade - pode escrever um dos mais belos sonetos dedicado a uma figura de santidade, uma figura da Igreja. Dá que pensar... Que necessidade aquela alma laica, que chegou a apostrofar a Deus nos seus tempos de Coimbra (a "Sociedade do Raio"...), arredia dos eventos religiosos, tinha necessidade de paz, de tranquilidade, e sobretudo de quem lhe soubesse "explicar" (de uma forma simples e eficaz...) com que fins foi criada a Vida!... Sem paralelo na Literatura Portuguesa!... Por vezes, Antero de Quental sobressai a Camões! E com que imponência, com que luz, com que mestria!... Um verdadeiro "Adamastor" da Poesia Portuguesa.
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