"Se eu pudesse falar-te. Se as minhas mãos, se a minha voz te tocasse: não me escutas, é ainda demasiado cedo para que saibas que existo. (...) A única forma de te ser fiel é costurar a vida, lentamente, pelo avesso da dor, inventar um peito onde possas deitar-te, cobrir com lenços grandes os espelhos a fim de que nada impeça o teu regresso. Como não quis ver-te partir estarei aqui no dia da chegada. Também eu vim da guerra quando ninguém sabia dos meus passos. Em Novembro, de manhã, tão de manhã, que os mortos do meu sangue nem sequer tiveram tempo de acordar. Dormiam como dormes. E cá estão. Fazem parte de ti, de mim, do mundo. De onde tornas a nascer. Imensamente."
António Lobo Antunes, in "Não entres por enquanto nessa noite escura", Ed. D. Quixote
Sinopse do romance: " O pai de Maria Clara foi internado e vai morrer. O livro é composto pelas divagações de Maria Clara, as suas recordações e as suas histórias e personagens inventadas, enquanto o pai está a morrer."
Imensamente,"não entres tão depressa nessa noite tão escura"... Um do mais belos poemas - em prosa - escrito na primeira pessoa, no feminino, por António L. Antunes! Uma experiência literária que tem direito aos maiores encómios. É que começamos a morrer lentamente aquando a morte do nosso próprio pai, sem nos apercebermos do quanto esse facto é determinante nas nossas vidas... Assim é.
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