Nesta XII edição de " Sobre a Poesia " as palavras são de Nuno Júdice, ensaísta, poeta, ficcionista, professor universitário e actual Director da Revista Colóquio Letras. Nascido no Algarve ( Mexilhoeira Grande), em 1949, é autor de uma imensa obra literária. Recebeu os mais importantes prémios portugueses de poesia e vários outros prémios internacionais.
FALAR DE POESIA
"Antes de tudo, não falar. O poema tem todas as palavras necessárias para que não seja preciso dizer mais nada, partir dele.
Depois, falar devagar.
Falar da sua construção. Procurar a origem do poema por dentro do que ele nos diz.
Falar com o poema. Falar de cada palavra, de cada verso. Encontrar através deles os fios de uma lógica que não passa apenas pelo sentido ou pelo que é dito, mas sobretudo pelo que só a percepção instintiva, sensorial, pode captar, no que está para além do que é dito e se solta das próprias palavras.
Ouvir o poema para poder falar dele.
Ignorar todos os discursos sobre o poema e sobre a poesia. Esse lixo verbal só nos impede de ouvir o que o poema tem para dizer.
Depois de falar do poema, e só depois, procurar saber o que outros disseram? Pura curiosidade.
Procurar, como um suplemento de curiosidade, o que os próprios poetas disseram do poema e da poesia.
Se tivermos sabido, com essa leitura, alguma coisa para além do que o poema nos disse, desconfiemos do poema.
Um poema, quando o é, diz tudo o que há para saber sobre si."
Nuno Júdice, in Relâmpago, n.º 6, Abril, 2000
ARTE DO POEMA
Eu pensava que escrever era uma escolha rigorosa de temas determinados,
e mais - que a progressão no poema, sem confundir um tema e outro, pelo contrário iria estabelecer uma rigorosa separação. Entre,por um lado, o interior dos sons, e por outro o rebordo exterior do sentido, evoluindo este último segundo os efeitos próprios dos sons em cada diversa sensibilidade.
Assim, estabelecidas as múltiplas zonas «poéticas», eu poderia designar o que está escrito, e assim mesmo irá ficar, como um estudo de poética - ou «arte do poema».
Nuno Júdice, in “O Pavão Sonoro” 1972
Eu pensava que escrever era uma escolha rigorosa de temas determinados,
e mais - que a progressão no poema, sem confundir um tema e outro, pelo contrário iria estabelecer uma rigorosa separação. Entre,por um lado, o interior dos sons, e por outro o rebordo exterior do sentido, evoluindo este último segundo os efeitos próprios dos sons em cada diversa sensibilidade.
Assim, estabelecidas as múltiplas zonas «poéticas», eu poderia designar o que está escrito, e assim mesmo irá ficar, como um estudo de poética - ou «arte do poema».
Nuno Júdice, in “O Pavão Sonoro” 1972
Para falarmos do meio de obter o poema,
a retórica não serve. Trata-se de uma coisa simples, que não
precisa de requintes nem de fórmulas. Apanha-se
uma flor, por exemplo, mas que não seja dessas flores que crescem
no meio do campo, nem das que se vendem nas lojas
ou nos mercados. É uma flor de sílabas, em que as
pétalas são as vogais, e o caule uma consoante. Põe-se
no jarro da estrofe, e deixa-se estar. Para que não morra,
basta um pedaço de primavera na água, que se vai
buscar à imaginação, quando está um dia de chuva,
ou se faz entrar pela janela, quando o ar fresco
da manhã enche o quarto de azul. Então,
a flor confunde-se com o poema, mas ainda não é
o poema. Para que ele nasça, a flor precisa
de encontrar cores mais naturais do que essas
que a natureza lhe deu. Podem ser as cores do teu
rosto – a sua brancura, quando o sol vem ter contigo,
ou o fundo dos teus olhos em que todas as cores
da vida se confundem, com o brilho da vida. Depois,
deito essas cores sobre a corola, e vejo-as descerem
para as folhas, como a seiva que corre pelos
veios invisíveis da alma. Posso, então, colher a flor,
e o que tenho na mão é este poema que
me deste.
Nuno Júdice, in “Geometria Variável”, Ed. Dom Qixote, Lisboa 2005
VERBO
Ponho palavras em cima da mesa; e deixo
que se sirvam delas, que as partam em fatias, sílaba a
sílaba, para as levarem à boca – onde as palavras se
voltam a colar, para caírem sobre a mesa.
Assim, conversamos uns com os outros. Trocamos
palavras; e roubamos outras palavras, quando não
as temos; e damos palavras, quando sabemos que estão
a mais. Em todas as conversas sobram as palavras.
Mas há as palavras que ficam sobre a mesa, quando
nos vamos embora. Ficam frias, com a noite; se uma janela
se abre, o vento sopra-as para o chão. No dia seguinte,
a mulher a dias há-de varrê-las para o lixo.
Por isso, quando me vou embora, verifico se ficaram
palavras sobre a mesa; e meto-as no bolso, sem ninguém
dar por isso. Depois, guardo-as na gaveta do poema. Algum
dia, estas palavras hão-de servir para alguma coisa.
Nuno Júdice, in “As Coisas Mais Simples”, Ed. Dom Quixote, Lisboa 2007
PARA ESCREVER O POEMA
O poeta quer escrever sobre um pássaro:
e o pássaro foge-lhe do verso.
O poeta quer escrever sobre a maçã:
e a maçã cai-lhe do ramo onde a pousou.
O poeta quer escrever sobre uma flor:
e a flor murcha no jarro da estrofe.
Então, o poeta faz uma gaiola de palavras
para o pássaro não fugir.
Então, o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã.
Então, o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche.
Mas um pássaro não canta
quando o fecham na gaiola.
A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes.
E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos.
E quando o poeta pousou a caneta,
o pássaro começou a voar,
Eva correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra.
O poeta voltou a pegar na caneta,
escreveu o que tinha visto,
e o poema ficou feito.
Nuno Júdice , in “A Matéria do Poema”, Ed.Dom Qixote, Lisboa 2008
A "Geometria Variável" e "A Matéria do Poema", no fundo "As Coisas Mais Simoles"... Toda a poesia que o nosso conterrâneo Nuno Júdice - nascido aqui bem perto, na Mexilhoeira Grande... Algarve, Portugal - vai construindo palavra a palavra, pacientemente como quem constrói, como uma aranha a tecer uma - a sua -teia, já tem o seu devido e merecido lugar de relevo no panorama da Poesia Portuguesa Contemporânea. Uma saudação gloriosa por ter sido evocado em "Livres Pensantes "!... E para ele, um abraço muito nosso e forte. A última vez que nos vimos foi em Portimão, e a penúltima..., casyualmente, em Munique, na Alemanha... - V. P.
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