quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Pretextos para fugir do real



A uma luz perigosa como água
De sonho e assalto
Subindo ao teu corpo real
Recordo-te
E és a mesma
Ternura quase impossível
De suportar

Por isso fecho os olhos

(O amor faz-me recuperar incessantemente o poder da
provocação. É assim que te faço arder triunfalmente
onde e quando quero. Basta-me fechar os olhos)

Por isso fecho os olhos
E convido a noite para a minha cama
Convido-a a tornar-se tocante
Familiar concreta
Como um corpo decifrado de mulher

E sob a forma desejada
A noite deita-se comigo
E é a tua ausência
Nua nos meus braços

Experimento um grito
Contra o teu silêncio

Experimento um silêncio

Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos

Assobio às pequenas esperanças
Que vêm lamber-me os dedos

Perco-me no teu retrato
Horas seguidas

E ao trote do ciúme deito contas
Deito contas à vida.

Alexandre O’Neill, in “Tomai lá do O'Neill” , Mem Martins , Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 1986

1 comentário:

  1. Quantos nos teus dias te levaram a sério, Alexandre O'Neil?!... Nem supunham ter entre eles - por breve eternidade... - um dos mais finos, acutilantes, objectivos, e geniais poetas críticos que este país alguma vez produziu, um poeta que soube, em tudo quanto deixou escrito, "casar" tão bem a sátira com o marketing, a observação atenta com os recados que enviava a quem os merecia e nunca os compreendeu, a poesia lírica com as ruas de palavras que produziu em tantos momentos!... Grito, bem alto, agora. Alexandre!.. Alexandre!... Não te mereceram, não mereceremos outro assim, durante muito e muito tempo... E é pena dizê-lo, desgosto, saber quanto de verdade há nisto, mas é um facto, o absorvível real para além do indizível e autêntico real! Transversalmente soubeste ultrapassar quantos te queriam deter. Alexandre O'Neil!... Antes do tempo. Cismava, pensava, mudo e quedo, e... de repente, soltava-se, botava ao seu modo, em jeito de grito,zasperante... E aí ia, (Olhem bem !...) aí tinhamos entre mãos, o melhor dele, o que os mais nunca souberam criar. Alexandre!... "Dá contas á vida!", e volta. esperamos-te. Foste um valor humano inigualável, amargamente incompreendido na tua época, mas impossível de esquecermos. Quantos tentaram ser como ele e não o conseguiram!... Quantos?... Até ao momento que escrevemos, aqui e agora. Ei, aí, ó malta!... Quem sobe à ribalta para o substituir, quem?!... Não se ouve nada... Vivalma!... Viva o Alexandre O'Neil!... Para sempre. Os deuses sabem a quem devem atribuir o génio, a arte, a ironia, o saber, a mais estimulante face do humor, da verdade, tal como ela é e sempre se mostrou. Glória aos grandes, a quem os pequenos procuraram ofuscar1... Glória ao Alexandre O'Neil!...- V. P.

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